
Neste mês, em alusão ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial (18 de maio), o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) traz importantes reflexões sobre a forma como a sociedade – em especial nas redes sociais – vem percebendo os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) por meio de memes muitas vezes preconceituosos e estigmatizantes, bem como conteúdos que defendem investimentos em instituições que priorizam a internação como primeira via de atendimento.
A campanha “Do jeito que o CAPS gosta: isso NÃO é meme!” vem com o intuito de desmitificar a imagem negativa que se criou em torno desses importantes equipamentos de cuidado humanizado e em liberdade, mas também para conscientizar a sociedade sobre o papel real dos CAPS e por que eles são a melhor via de investimentos públicos, além de recursos fundamentais para o atendimento da população em sofrimento mental ou uso abusivo de álcool e outras drogas.
Este debate é essencial também considerando que a política pública de saúde emprega, de acordo com o Censo da Psicologia Brasileira (CFP, 2022), 19% de profissionais da Psicologia – somada à área social, as políticas públicas representam quase 40% da atuação da categoria. Assim, defender a saúde pública de qualidade é, também, defender uma importante área de atuação da Psicologia.
O que são os CAPS?
Embora não sejam o único equipamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), os CAPS são fundamentais na luta antimanicomial porque representam essa mudança no paradigma do cuidado em saúde mental, ao substituir os hospitais psiquiátricos por um modelo de cuidado em liberdade e territorializado.
De acordo com a classificação do Ministério da Saúde, os CAPS são divididos em diferentes categorias, atendendo a públicos diversos: CAPS I, II e III para atendimento adulto de pessoas em sofrimento mental (sendo que os CAPS III oferecem atendimento ininterrupto e leitos para acolhimento noturno em municípios com mais de 150 mil habitantes); CAPS ad CAPS ad III, para pessoas em uso abusivo de álcool e outras drogas; e CAPS i (destinado ao atendimento de crianças e adolescentes).
Quantos CAPS existem no Brasil?
De acordo com o 13ª Boletim Saúde Mental em Dados, documento que recupera informações da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no período de 2015 a 2022, atualmente o Brasil tem 1522 CAPS I, 528 CAPS II, 146 CAPS III, 324 CAPS i, 338 CAPS ad, 158 CAPS ad III e três CAPS ad IV, totalizando 3019 CAPS.
O mesmo documento aponta que a RAPS vem recebendo mais recursos financeiros em uma tentativa intencional de recuperação de sua capilaridade. O esforço é necessário. Enquanto o número absoluto de CAPS cresceu 138% e 143,5% nos períodos de 2002-2006 e 2006-2016, o aumento foi de apenas 22,8% de 2016 a 2024. O número relativo a cada 100 mil habitantes segue trajetória semelhante: o aumento foi de aproximadamente 105% no primeiro período analisado, quase 121% no segundo e de menos de 20% nos últimos oito anos. No Paraná a redução foi ainda mais importante: o índice de equipamentos em relação à população cresceu apenas 6,86% desde 2016, comparado a um incremento de 126,7% entre 2006 e 2016, e de 200% entre 2002 e 2006.

Comunidades terapêuticas e as violações de direitos humanos
Paralelamente à quase estagnação na ampliação dos CAPS, instituições que reeditam práticas manicomiais perpetrando violações de direitos humanos à guisa de “cuidado”, passaram a ganhar corpo e receber substanciais investimentos – inclusive do poder público. Enquanto no âmbito federal os investimentos nas Comunidades Terapêuticas (CTs), instituições privadas normalmente destinadas a pessoas em uso abusivo de álcool e outras drogas, vêm sofrendo cortes mais recentes (embora ainda insuficientes em face dos consistentes e robustos aumentos nos anos anteriores), no Paraná o governo estadual anunciou, em 2024, um investimento de R$ 10 milhões por ano para apoio a comunidades terapêuticas.
O cenário é preocupante na perspectiva dos direitos humanos. Em 27 de março de 2025, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e o Grupo Psicologia e Ladinidades, da Universidade de Brasília (UnB), publicaram o relatório As comunidades terapêuticas em evidência: o que dizem as avaliações e fiscalizações do estado brasileiro?, que mapeou e sistematizou trabalhos de avaliação e fiscalização relativos a 205 Comunidades Terapêuticas (CTs) ao longo de 13 anos. Em todas as 205 instituições foram identificadas violações de direitos humanos.
Salienta-se que o posicionamento antimanicomial e pela Redução de Danos – ou seja, o cuidado que não objetiva, necessariamente, a abstinência, mas que elabora Projetos Terapêuticos Singulares e respeitando a autonomia de cada pessoa atendida – prioriza, como primeira via de atendimento, o cuidado em liberdade. A internação, se necessária, pode ser utilizada como último recurso e pelo menor tempo possível (preferencialmente em equipamentos como os CAPS III e CAPS ad III). Assim, pessoas em sofrimento psíquico ou em uso abusivo de álcool e outras drogas podem vir a receber um cuidado mais intensificado, mas sempre prezando pela não retirada de seu território e pelo retorno célere ao convívio social.
O fim dos hospitais de custódia: avanços ainda necessários
Se o cuidado em liberdade não é consensual em determinados setores sociais e políticos, o debate tende a ficar ainda mais tensionado quando se trata de pessoas em conflitos com a lei. Aqui, os chamados hospitais de custódia, ou manicômios judiciários, ganham destaque diante da Resolução nº 487/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que instituiu a política antimanicomial do Poder Judiciário e determinou o fechamento, até maio de 2024, das instituições asilares de longa permanência para pessoas em conflito com a lei consideradas inimputáveis ou semi-inimputáveis. De acordo com o CNJ, o documento avança ao dar o entendimento de que “a saúde não deixa de existir quando entra em contato com o sistema de justiça”.
Assim como as Comunidades Terapêuticas, estas instituições também são frequentemente alvo de inspeções que revelam graves violações de direitos humanos. De acordo com o relatório anual 2022 do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que realizou inspeções no Complexo Médico-Penal (CMP), em Pinhais, região metropolitana de Curitiba, foram identificadas situações precárias de infraestrutura e atendimento de saúde, como falta de colchões, celas insalubres e superlotadas, bem como ausência de atendimento médico, roupas adequadas ao frio, kits de higiene, água potável ou alimentação em qualidade e quantidade dignas.
De acordo com a Defensoria Pública, o “Projeto Desinstitucionalização Responsável: apoio técnico ao atendimento jurídico realizado em processos de sujeitos submetidos à condição de internos asilares no Complexo Médico Penal” debate a situação de pessoas que não têm para onde ir após o encerramento das atividades, já que é preciso criar condições seguras para as pessoas que hoje estão asiladas. Este ainda é um desafio em curso e sem respostas definitivas, mas, segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (TJPR), o Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de Medidas Socioeducativas (GMF) vem avançando no processo de desinstitucionalização do CMP e a implementação da Política Antimanicomial no Estado.
Valorização profissional
Se a RAPS precisa de atenção para avançar na oferta e robustez de equipamentos e serviços, o mesmo vale para o cuidado, ampliação e valorização de suas equipes de pessoas trabalhadoras. A luta de profissionais da Psicologia e de outras áreas é constante para que as equipes sejam ampliadas, as cargas de trabalho reduzidas e a autonomia profissional respeitada. Especialmente em um momento em que a Norma Reguladora 1 (NR-1), instrumento legal que estabelece diretrizes de segurança e saúde nos ambientes laborais e institui regras para a prevenção e Gerenciamento dos Riscos Ocupacionais (GRO), incluindo os psicossociais, entrará em vigor, a partir de 26 de maio, a luta pela visibilidade das condições de trabalho nos CAPS se faz ainda mais presente. Não há cuidado em saúde mental sem cuidado das pessoas trabalhadoras!
CAPS não é meme e precisa de investimentos para se fortalecer
Os desafios da RAPS – e dos CAPS – são inúmeros. Não apenas ampliar o número de unidades e disponibilizar mais recursos financeiros para seu funcionamento, mas também entender os desafios sociais que se colocam atualmente e garantir atendimento a todas as pessoas em suas singularidades e territórios.
Neste Dia Nacional da Luta Antimanicomial, convidamos você a vir com a gente nesta campanha e dizer: CAPS não é meme, e precisamos avançar para que ele seja, cada vez mais, um espaço de acolhimento humanizada, antirracista, antiproibicionista e atenta aos sofrimentos psicossociais da população!