
A campanha Setembro Amarelo, criada em 2013 em alusão ao Dia Mundial de Prevenção do Suicídio (10 de setembro), já se consolidou como um mês dedicado a falar sobre saúde mental. Os números são significativos: mais de 720 mil mortes são autoinfligidas todos os anos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), sendo a terceira principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Assim, a inserção desta data nos calendários públicos, incluindo campanhas governamentais, é um movimento positivo.
No entanto, enquanto a quebra do tabu em relação à depressão e ao suicídio é um passo importante para que mais pessoas possam procurar ajuda, é também fundamental que se debata o tema com cientificidade e laicidade.
Não é incomum, durante este período, que a causa do sofrimento psíquico seja atribuída apenas ao indivíduo: desde fatores biológicos, como desequilíbrios hormonais e neuroquímicos, até questões subjetivas que não raramente resvalam em temas religiosos. Em discursos, palestras e postagens nas redes sociais, profissionais das mais diversas áreas e gestores públicos distribuem frases de efeito, inverdades científicas ou supostos caminhos simplistas para a superação do problema.
Embora o propósito principal desses conteúdos seja a preservação da vida, palavras que permanecem na superfície do problema, ainda que bem-intencionadas, podem contribuir para o estigma e afastar ainda mais quem precisa de ajuda. Precisamos lembrar, neste Setembro Amarelo, que uma pessoa com sofrimento psíquico não tem rótulos, não tem “cara”, não tem esta ou aquela característica padrão, e que apenas profissionais da área da saúde mental são capazes, a partir de fundamentos e técnicas cientificamente embasados, de realizar um diagnóstico.
Além disso, é de fundamental importância compreender que o sofrimento é frequentemente causado ou agravado pelas condições de vida a que as pessoas estão expostas. A saúde mental da nossa população precisa estar ancorada em políticas públicas que garantam o acesso amplo e gratuito a profissionais das áreas da saúde mental, como a Psicologia, a Psiquiatria, a Terapia Ocupacional e outras que compõem as equipes multidisciplinares. Esta é, contudo, apenas uma das partes que compõem o cuidado integral em saúde.
Saúde mental se faz em múltiplas frentes: é no combate intransigente a preconceitos e violências que afetam pessoas negras, indígenas e quilombolas, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, migrantes e refugiadas e, também, aquelas que estão em sofrimento psíquico. É também na oferta plena de direitos civis como trabalho e renda – e aqui destacamos a luta pelo fim da escala 6×1 e pelas 30 horas na Psicologia –, alimentação de qualidade, moradia digna, transporte adequado, lazer e educação.
Saúde mental se faz com liberdade religiosa, com cidades que se planejam para combater e mitigar os efeitos da crise climática, com meio ambiente protegido, com equidade racial, com espaços públicos de lazer, com territórios demarcados para povos indígenas, com redes de apoio para mães e pais, com escuta qualificada… Saúde mental se faz, afinal, com direitos humanos e políticas públicas.
O Setembro Amarelo também é tempo de fortalecer o SUS e a RAPS. Como já destacado na campanha “Do jeito que o CAPS gosta”, promovida pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) no Dia da Luta Antimanicomial de 2025 (18 de maio), memes nas redes sociais que retratam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de forma pejorativa passam uma mensagem carregada de preconceito que estigmatizam o sofrimento psíquico e as pessoas que buscam o cuidado necessário neste importante equipamento do cuidado humanizado. O que a RAPS precisa em maio, mês da luta antimanicomial, em setembro, mês de prevenção do suicídio, e em todos os outros meses do ano é de recursos humanos e financeiros para seguir cuidando em liberdade.
Estes enfoques estão em linha com o que traz a OMS na campanha trienal 2024-2026 do Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, que tem o tema “Changing the Narrative on Suicide” (Mudando a Narrativa do Suicídio). Segundo a instituição, o objetivo é conscientizar a sociedade sobre “a forma como percebemos esta questão complexa [o suicídio]” e transicionar de “uma cultura de silêncio e estigma para uma de abertura, compreensão e apoio”. Além disso, a OMS destaca a importância de políticas públicas e ações governamentais que “mudem a narrativa” e “ampliem o acesso a cuidados”.
É neste contexto que o CRP-PR empreende, em 2025, uma campanha que vai além das redes sociais. As informações apresentadas neste texto serão enviadas por ofício às prefeituras municipais do Paraná para que as gestões públicas possam ressignificar suas próprias ações e investir mais recursos na promoção de um cuidado integral em saúde para suas populações. A autarquia oferece, assim, subsídios de informação e conhecimentos para que as pessoas em espaços de poder e tomada de decisão possam direcionar seus esforços na direção de uma defesa efetiva da vida, embasada na promoção de vidas dignas, livres de preconceitos e com acesso pleno ao cuidado integral em saúde.