O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) manifesta indignação e posicionamento firme diante da aprovação, pela Câmara dos Deputados, do Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, que suspende os efeitos da Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) — norma que orienta o atendimento humanizado de meninas e adolescentes vítimas de violência sexual, garantindo o acesso ao aborto legal nos casos previstos em lei, de forma segura, sem revitimização e com a garantia da escuta protegida.
A revogação desta resolução representa um grave retrocesso na proteção dos direitos da infância e adolescência brasileiras. O PDL cria um vácuo normativo e fragiliza fluxos de atendimento intersetoriais que asseguram o cuidado integral às vítimas, favorecendo a revitimização, a maternidade forçada e o agravamento do sofrimento psíquico de meninas que já sofreram violência.
Essa medida contraria os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Doutrina da Proteção Integral e as normas de direitos humanos das quais o Brasil é signatário. Ao suprimir uma diretriz técnica construída de forma democrática e participativa no âmbito do Conanda, o Parlamento enfraquece o controle social e deslegitima espaços fundamentais de formulação e monitoramento de políticas públicas voltadas à infância e à adolescência.
As evidências científicas e os dados oficiais de órgãos como Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDCH/2024), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF/2023) e Fórum Brasileiro de Segurança Públlica (FBSP 2024) indicam que a maior parte dos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes é praticada por pessoas conhecidas da vítima — muitas vezes integrantes do próprio círculo familiar ou de convivência. Esse dado reforça a necessidade urgente de políticas públicas voltadas à prevenção, à educação para o cuidado e à criação de ambientes seguros, nos quais as crianças possam ser ouvidas, acolhidas e protegidas de forma efetiva.
A Psicologia tem papel essencial na consolidação dos direitos das vítimas, ao contribuir para que o sistema de justiça reconheça e acolha seus sofrimentos de forma humanizada, técnica e ética. O direito das vítimas, previsto em normativas nacionais e internacionais, garante não apenas a responsabilização dos autores de crimes, mas também o acesso à escuta qualificada, à proteção, ao atendimento psicológico e à participação ativa nos processos judiciais. Nesse contexto, a atuação de profissionais da Psicologia reafirma o compromisso com uma justiça que promova reparação, dignidade e respeito à integridade de crianças e adolescentes.
O CRP-PR lembra que a violência sexual e a gravidez precoce têm cor, gênero e território. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2023) e de organismos oficiais apontam que as meninas negras, pobres e periféricas são as principais vítimas de abuso, exploração sexual e maternidade infantil forçada. Em pleno Novembro Negro, mês em que se celebra Zumbi, Dandara e as lutas do povo negro por liberdade e dignidade, a aprovação do PDL 3/2025 representa um ato simbólico de violência institucional e de perpetuação do racismo estrutural e do patriarcado de Estado.
A Psicologia, orientada por seu Código de Ética Profissional, reafirma seu compromisso com os direitos humanos, com a defesa da dignidade, da integridade e da liberdade das pessoas, especialmente de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade. Reitera, ainda, que impor a continuidade de uma gestação resultante de estupro é uma forma de tortura e de violência institucional e psicológica.
A atuação profissional das psicólogas e dos psicólogos deve assegurar escuta qualificada, acolhimento ético, orientação técnica e acesso aos direitos garantidos pela legislação brasileira, em consonância com uma Psicologia laica, antirracista, feminista e orientada pela ética do cuidado.
O CRP-PR soma-se às entidades, coletivos e movimentos sociais que defendem os direitos das meninas brasileiras e reafirma seu compromisso com a proteção da infância, da dignidade humana e da democracia.
Criança não é mãe. Estuprador não é pai. Maternidade forçada é tortura.
Conselho Regional de Psicologia do Paraná – CRP-08
Gestão XVI Plenário
Em defesa dos direitos das meninas, da infância e da dignidade humana.