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Por que precisamos de mais que um dia da visibilidade lésbica?

Mulheres lésbicas, assim como outras pessoas da população LGBTQIA+, sofrem com a invisibilização de suas vivências e com violências ou constrangimentos cotidianos. No ambiente laboral, esta realidade não é diferente. Uma pesquisa realizada em 2019 pelo portal de recrutamento Elancers mostrou que cerca de 20% das empresas brasileiras se recusariam a contratar uma pessoa se ela se identificar de forma não cis-heteronormativa.

As mulheres lésbicas enfrentam em maior ou menor amplitude, a depender das interseccionalidades – como questões étnico-raciais e sociais – dificuldades desde a escolarização, e isso se reflete na empregabilidade. “Só pelo fato de ser mulher a gente já tem uma desvantagem muito grande no mercado de trabalho”, conta a Psicóloga Clínica Keila Fernanda Carlota Campos (CRP-08/34353), colaboradora do Núcleo de Diversidade de Gênero e Sexualidades (Diverges). “Quando a gente ocupa um lugar de mulher lésbica e, no meu caso, negra, a gente acaba percebendo que desde os primeiros passos na vida acadêmica e escolar a gente não tem as mesmas oportunidades que os demais”, relata. 

Somado a este histórico de oportunidades negadas ao longo da vida, as mulheres lésbicas carregam uma série de estereótipos. “[Imaginam que] a mulher lésbica só usa camiseta, só usa tênis, só usa calça jeans, tem cabelo curto, e aí quando a gente vai participar dos processos seletivos a gente começa a ser questionada já neste sentido”, conta a profissional. O contexto da Psicologia é regido por uma série de Resoluções (CFP 001/99, 001/2018 e 008/2022) que coíbem a patologização das orientações sexuais e identidades de gênero e que promove e acolhe a diversidade, mas ainda assim o cenário não é animador.

De um lado, colegas deixam, segundo Keila, de encaminhar pacientes quando a orientação sexual ou identidade de gênero é amplamente conhecida. Por outro, pacientes também demonstram preconceito e geram, diariamente, algum desconforto. “Na Clínica eu não posso me vestir da forma como gosto. Preciso colocar uma roupa social, especialmente porque sou Psicóloga infantil, para que eu seja olhada como alguém que se aproxima dos padrões de gênero, para que eu tenha cliente, caso contrário a clínica esvazia”, descreve Keila.

Muitas vezes, para conquistarem uma vaga no mercado formal, terem sucesso na carreira autônoma ou ascenderem em uma empresa, estas pessoas precisam esconder quem são, o que gera intenso sofrimento psíquico. “O não falar implica um adoecimento psicológico que pode levar, por exemplo, ao aumento de sintomas ansiosos, humor deprimido e, consequentemente, a uma queda de desempenho pela pessoa estar ansiosa, deprimida e não conseguir estabelecer conexões humanas, ter uma rede de apoio no ambiente de trabalho”, explica o coordenador do Diverges, Psicólogo Thainã Eloá Silva Dionísio (CRP-08/26927).

Luta e resistência

A solução para todos os problemas que afetam as mulheres lésbicas não virá apenas com uma ação, mas a partir de um esforço coletivo de pessoas e instituições. A despeito de algumas limitações sobre o papel dos Conselhos e Sindicatos – que devem atuar juntos por mais inclusão LGBTQIA+ no mercado de trabalho, na opinião de Thainã – quaisquer leis, normativas e outros meios legais de impacto social são de fundamental importância para um avanço geral, avalia o coordenador do Diverges.

Se hoje a causa LGBTQIA+ está em voga e cada vez mais presente na mídia, isso não necessariamente se reflete em menos segregação e preconceitos. “Será que estamos sendo mais aceitos pela sociedade ou a gente tem resistido muito mais?”, questiona Keila. Apesar de perceber um modesto avanço, a Psicóloga destaca que pessoas LGBTQIA+ têm em grande parte se colocado nos espaços de forma a conquistar o que deveria ser um direito nato.

Thainã complementa que a visibilidade dada pelas redes sociais é, de fato, significativa, mas que isso não impacta de forma proporcional os índices de violência, por exemplo – o Brasil segue sendo o país com os maiores índices de mortes violentas de pessoas LGBTQIA+ no mundo. “Não é exatamente uma compreensão maior da sociedade em larga escala, mas uma visibilidade maior e mais voz a quem de fato faz parte ou se alia à comunidade”, avalia o profissional.

Temos, assim, pouco o que comemorar no Dia Nacional da Visibilidade Lésbica, lembrado neste 29 de agosto, apenas um dia entre outros 364 em que as mulheres lésbicas seguem invisibilizadas em suas demandas, seja de saúde mental, trabalhistas ou a forma como se relacionam com a sociedade, como elucida Keila. “Infelizmente a gente não tem muitas ações concretas. Continuamos invisibilizadas, inclusive pela nossa própria categoria profissional.”

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