Diante da pandemia da COVID-19 e necessidade de isolamento social muitas(os) Psicólogas(os) têm se deparado com questionamentos referente à continuidade do atendimento clínico a pacientes/clientes em crise. Sejam situações referentes a demandas de atendimento devido a transtornos mentais, sejam situações referentes ao agravamento de quadros de saúde mental devido ao atual contexto.
A crise pode ser compreendida como um momento de sofrimento muito intenso, no qual há uma desestruturação da vida psíquica e social da pessoa. Em geral, as crises são caracterizadas por distúrbios do pensamento, emoções e comportamentos.
Visando a contribuir com as(os) Psicólogas(os) que se deparem com essas dificuldades no contexto do atendimento clínico, a Comissão de Psicologia Clínica do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) busca proporcionar algumas reflexões:
Modalidades de atendimento
Muitas(os) Psicólogas(os) da área clínica que atuavam com atendimentos presenciais estão migrando para a modalidade de atendimento online (Resoluções CFP 011/2018 e CFP 004/2020) durante o período de distanciamento social, imposto pela pandemia da COVID-19. Nos casos de pacientes em crise é preciso que a(o) profissional avalie as condições para a realização dessa modalidade de atendimento, dentre elas:
Condições da(o) Psicóloga(o):
- Estar capacitada(o) para atender a demanda, de acordo com o Código de Ética Profissional;
- Analise/fundamentação técnica da viabilidade do atendimento ser feito à distância;
- Disponibilidade de recursos tecnológicos adequados à prestação de serviço: acesso à internet, computador, tablet, celular.
- Cadastro na plataforma e-psi (hiper link para plataforma);
- Conhecimento de plataformas/aplicativos adequados para o atendimento online. É importante verificar as condições de sigilo e criptografia do recurso utilizado para o atendimento.
- Condições ambientais adequadas: a(o) profissional precisa avaliar se dispõe de local adequado para a prestação de serviço online, onde possa garantir o sigilo do atendimento (conforme art. 9º do Código de Ética) e se dedicar exclusivamente a essa tarefa durante o período de atendimento. Recomenda-se a utilização de fones de ouvido e estar em local privado, sem circulação ou acesso de outras pessoas, sejam elas conhecidas, familiares ou não.
As condições citadas acima são essenciais para a execução do trabalho. É necessário especial atenção ao contexto do atendimento a situações de crise, considerando que podem interferir diretamente no atendimento e, até mesmo, agravar o quadro.
Condições da(o) paciente/cliente:
- Disponibilidade de recursos tecnológicos adequados ao acesso ao atendimento online: acesso à internet, computador, tablet, celular.
- Habilidade para acessar as plataformas/aplicativos para acesso ao atendimento on-line escolhidas/disponibilizadas pela(o) Psicóloga(o).
- Condições ambientais adequadas: local para acesso ao serviço online, considerando aqui que a manutenção do sigilo também depende da(o) paciente/cliente. Recomenda-se a utilização de fones de ouvido.
- Nas situações de atendimento online a pacientes em crise, a(o) profissional de Psicologia deverá avaliar as suas próprias condições para oferecer esse serviço, bem como as condições da(o) paciente/cliente, além de questões técnicas específicas de cada caso, que podem ser discutidas em supervisão técnica.
Para a realização de atendimento na modalidade domiciliar a(o) Psicóloga(o) deve considerar as orientações sanitárias, tanto no que se refere ao deslocamento até a residência da(o) paciente/cliente, quanto à assepsia, utilização de equipamentos de proteção individual (EPIs) como máscaras e distanciamento físico entre as pessoas.
Outro ponto a ser destacado é novamente o ambiente onde o atendimento ocorrerá, que deve apresentar tanto as condições necessárias à manutenção do sigilo profissional, quanto condições de atendimento às recomendações sanitárias.
Também se ressalta a importância de que Psicólogas(os) avaliem se estão capacitados para atender nesta modalidade, pois requer manejo técnico específico. É importante ainda que profissionais de Psicologia reflitam acerca do vínculo com pacientes/clientes neste contexto e estabeleçam uma delimitação dos objetivos, acordos e características do trabalho realizado no ambiente domiciliar.
Outra avaliação preponderante está relacionada às demais pessoas presentes no ambiente no qual a(o) paciente/cliente se encontra, como a presença de familiares e/ou demais pessoas que residem ou estejam no domicílio.
Além disto, outro aspecto que pode interferir na possibilidade de manutenção de atendimento psicológico na modalidade presencial é o fato de a(o) Psicóloga(o) ou paciente/cliente pertencer a algum grupo considerado de risco em relação ao coronavírus.
Manutenção do atendimento presencial em consultório
Cabe à(ao) profissional a definição sobre a necessidade ou possibilidade de manutenção do atendimento presencial, compreendendo que, “se por um lado está autonomia constitui liberdade à(ao) profissional, por outro exige a responsabilização pelo serviço oferecido/prestado”, conforme explicita a Nota Técnica CRP-PR 005/2018.
Nesse caso é necessário a avaliação técnica do caso, além de observar as orientações das autoridades sanitárias e legislações locais (decretos municipais, estaduais e federais). É preciso estar atenta(o) às determinações no que se refere: ao deslocamento tanto da(o) Psicóloga(o) quanto da(o) paciente/cliente; quanto à assepsia; à utilização de EPIs e ao distanciamento físico entre as pessoas.
Outra condição que pode interferir na possibilidade de manutenção de atendimento psicológico na modalidade presencial é o fato de a(o) Psicóloga(o) ou paciente/cliente pertencer a algum grupo considerado de risco em relação ao coronavírus.
Encaminhamento
Nas situações em que a(o) Psicóloga(o) não consiga manter o atendimento à(ao) paciente/cliente, seja na modalidade online, domiciliar ou presencial – considerando as condições para a realização de cada modalidade de atendimento -, é seu dever realizar o encaminhamento para outra(o) profissional ou serviço que consiga realizar esse atendimento. Neste caso, cabe à(ao) Psicóloga(o) prestar informações à(ao) profissional que dará a continuidade do atendimento. Lembramos também que é obrigação da(o) profissional realizar a guarda dos registros e documentos relativos ao atendimento por, no mínimo, cinco anos.
É responsabilidade também da(o) profissional da Psicologia estruturar a metodologia adequada para cada situação, de acordo com a sua avaliação técnica frente a cada caso atendido. Sendo assim, o desligamento dos pacientes não deve ser pensado de forma alheia ao processo terapêutico de cada usuário atendido e manejo clínico da(o) Psicóloga(o), visto que o vínculo é uma variável importante na prestação dos atendimentos psicológicos.
Contato com demais profissionais de saúde
A(O) Psicóloga(o) poderá intensificar o contato com demais profissionais de saúde que atendam a(o) paciente/cliente neste momento. O contato entre profissionais de saúde contribui para a organização de estratégias para o atendimento e contenção da crise. Ressalta-se que, conforme o art. 6º do Código de Ética, neste contato a(o) profissional compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.
Caso não existam outros profissionais de saúde acompanhando o caso, a(o) Psicóloga(o) poderá realizar encaminhamentos que julgar necessários.
Rede de apoio
A(O) Psicóloga(o) poderá avaliar e considerar novas e diferente redes de apoio diante desse novo contexto, que poderão auxiliar na contenção da crise. Entendendo que possivelmente a rotina da(o) paciente/cliente em atendimento sofreu mudanças, seja pela situação de isolamento, convívio frequente com familiares e demais pessoas no domicílio, pelo teletrabalho, pela manutenção do trabalho, entre outras alterações, a rede de apoio também pode sofrer alterações. Assim um(a) colega de trabalho ou um familiar que antes não fazia parte da rede de apoio da(o) paciente/cliente, pode agora passar a compô-la.
É importante que a(o) profissional pondere também a necessidade de suporte e orientação à rede de apoio, que possivelmente também está se adaptando às novas contingências. Ao manter o contato com a rede de apoio a(o) Psicóloga(o) deverá considerar o sigilo profissional, transmitindo à rede de apoio apenas as informações necessárias para o bom andamento do trabalho.
Supervisão
Estamos vivendo um momento inédito de mudanças significativas e rápidas que impactam a vida pessoal e profissional da(o) Psicóloga(o). Essa nova demanda emergencial que se apresenta à(ao) profissional pode exigir reflexões, estratégias e encaminhamentos novos, por isso salientamos a importância da supervisão técnica, especialmente nesse momento.