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Setembro Amarelo: para além das redes sociais e da individualização do sofrimento

No Setembro Amarelo, mês que ficou conhecido pelas ações de prevenção do suicídio, o CRP-PR vem propondo um mote que leva em consideração os aspectos coletivos e sociais da saúde mental.

Na campanha “Proteger a vida é reivindicar um sistema social que promova saúde e bem-estar. Em defesa do SUS e das garantias de direitos a todas as pessoas”, suscitamos as reflexões sobre o contexto brasileiro atual de desmontes das políticas públicas e direitos sociais, o que exige um novo paradigma de cuidado, uma sociedade que consiga garantir a todas as pessoas saúde e bem-estar.

Ao abordarmos o suicídio de forma individualizada, corremos o risco de responsabilizar única e exclusivamente o sujeito por seu bem-viver, desonerando o Estado e diversos setores da sociedade de seu papel na promoção de bem-estar coletivo.

Ainda, podemos insistir numa ideia de patologização da vida, transformando em transtornos todas as expressões de sofrimento – que, na verdade, são manifestações do modo de vida que compartilhamos.

Assim, acabamos, mesmo com boas intenções, aprofundando sofrimentos, culpas, reforçando uma ideia de que há um modo correto de se viver, que só dependeria do sujeito, e que quando ele não alcança esse bem-viver, há algum problema com ele.

Qualquer campanha ou comunicação que tenha por objetivo promover a valorização da vida precisa abordar primordialmente as condições materiais de reprodução da vida pelos diferentes sujeitos e coletividades em um dado momento histórico e local.

Este debate passa pela defesa intransigente do SUS contra ataques e desmontes como o proposto pela reforma administrativa. É necessário priorizar o investimento público nesse sistema, pois ele representa um projeto de acesso universal à atenção e tratamento em saúde. Não se trata apenas da oferta de serviços, mas de vivermos uma coletividade que zela por si, que mantém uma rede pública de apoio aos sujeitos em suas necessidades.

No entanto, o cuidado em saúde inclui também pensar sobre os marcadores sociais que impactam na qualidade de vida das pessoas. Vivemos em uma sociedade em que raça, classe, gênero e orientação sexual, diferenças funcionais e geográficas impactam significativamente nas condições de vida, o modo como as pessoas podem (ou são impedidas) de acessar condições básicas de reprodução da vida.

Além disso, em um contexto de crise econômica que já afeta de forma ainda mais grave as pessoas mais vulnerabilizadas, é fundamental reivindicar a ampliação e manutenção de políticas públicas para que as pessoas tenham condições de habitação, infraestrutura urbana, acesso a serviços de saúde, educação e assistência social, previdência, trabalho e renda, esporte, lazer e cultura.

Manejo exige cuidado multiprofissional

Não é possível negar que o setembro amarelo promove uma série de debates nas redes sociais e também em espaços públicos como escolas, empresas e associações diversas. Contudo, ao mesmo tempo que é importante falar sobre suicídio sem tabus, levando informação de qualidade para as pessoas, é preciso ter cuidado para o tipo de abordagem que fazemos.

Muitas vezes com boas intenções, algumas pessoas costumam oferecer suas redes sociais como espaço de conversa ou desabafo a quem está passando por um momento de sofrimento. Estas ações, no entanto, podem ter consequências graves, segundo a Psicóloga Christiane Henriques Ferreira (CRP-08/22399), coordenadora da Comissão de Psicologia Clínica do CRP-PR em Londrina.

“Essas publicações são bastante problemáticas, pois o manejo de uma pessoa em crise precisa ser feito por um profissional qualificado,” explica a profissional. Ela ressalta que a empatia não deve ser desestimulada, mas que a ação correta é encaminhar a pessoa em risco de suicídio para um atendimento com profissional qualificado, que poderá fazer o manejo de forma adequada. “Essa é a ajuda que a pessoa precisa. Ouvir, acolher, e orientar a pessoa a procurar tratamento. Uma palavra fora do lugar pode ser um gatilho”, alerta a profissional.

Outro erro que comumente se vê quando o assunto é prevenção do suicídio são os estereótipos criados pela sociedade. Segundo Christiane, nem sempre o risco vem apenas de uma pessoa com depressão, por exemplo, que passa o dia sozinha em seu quarto ou não sorri, por exemplo.

Seja para profissionais ou pessoas próximas, alguns pontos podem servir de alerta: “a pessoa já ter tentado suicídio alguma vez, ela falar em suicídio, apresentar comportamento autolesivo de alta gravidade, se referir à própria morte com frases do tipo ‘se eu morresse seria melhor’, ‘não quero mais viver’, ‘quero dormir o dia todo’ ou mesmo verbalizar de forma mais direta que quer se matar. Outro ponto que é importante de ser observado, é se a pessoa está num quadro de desesperança, ou seja, se ela se vê sem saída diante dos problemas”, elenca a profissional.

A Psicóloga atua na clínica e atende pacientes com diferentes riscos de suicídio, sempre em conjunto com uma Psiquiatra. Este é o procedimento ideal, segundo ela, já que o uso de medicações pode ser necessário em alguns casos para controlar situações de crise. A Psiquiatria e a Psicologia são, portanto, ciências complementares nestes casos, e um trabalho conjunto pode ajudar a avaliar também situações de risco.

Segundo a profissional, algumas perguntas podem servir de guia para identificar a hora de acender um alerta e eventualmente acionar as redes de apoio, como familiares, amigas(os) e colegas, ou serviços como o CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) e os hospitais gerais. “A pessoa tem um plano elaborado de suicídio? Este plano está acessível? Se as respostas a essas questões forem afirmativas, pode ser a hora de acionar rede de apoio”, afirma.

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