A campanha Setembro Amarelo visa a debater e sensibilizar a população em relação à prevenção do suicídio. Mas de que forma a Psicologia Hospitalar pode auxiliar nesse debate? As emergências dos hospitais costumam ser uma das portas de entrada para pacientes que atentaram contra a própria vida. Profissionais de Psicologia nesse contexto têm papel fundamental, desde o acolhimento dessas pessoas e de suas famílias, até a avaliação de risco e encaminhamento de pacientes para a continuidade do cuidado em saúde mental.
A avaliação de pacientes que tentaram o suicídio é fundamental para definir o risco de novas tentativas e qual cuidado em saúde mental será necessário para essas pessoas. A entrevista inicial tem como objetivo a coleta de informações que auxiliarão tanto nessa avaliação como no estabelecimento do vínculo entre profissional e paciente.
Nessa entrevista, o atual estado mental é avaliado por profissional de Psicologia, que avaliará se há suspeita de transtornos mentais e uso de substâncias psicoativas. É também nesse momento que se buscará caracterizar o ato suicida (quanto ao método, circunstâncias, intencionalidade), além de identificar se há fatores de risco ou acontecimentos marcantes que influenciaram na decisão de atentar contra a própria vida, e se essa pessoa conta com rede de apoio social. (Botega et al, 2010).
A partir da análise epidemiológica dos casos de suicídio, é possível apontar alguns fatores de risco e de proteção que não podem ser considerados como determinantes, mas auxiliam na compreensão do caso e formulação de risco de novas tentativas. Evidentemente, não é possível prever se uma pessoa vai tentar suicídio, mas há elementos que podem auxiliar nessa avaliação, assim como há fatores que podem ser considerados protetores contra novas tentativas.
São considerados fatores de risco predisponentes: tentativas de suicídio prévias; presença de transtornos psiquiátricos; abuso físico ou sexual na infância; presença de impulsividade; isolamento social; presença de doenças incapacitantes ou incuráveis; sentimento de desespero ou inquietude; e alta recente de internação psiquiátrica. Consideram-se fatores precipitantes: desilusão amorosa ou separação conjugal; conflitos geracionais; derrocada financeira ou perda de emprego; experiência de desonra ou humilhação; embriaguez e acesso a um meio letal. (Botega, N. J., 2015, p. 149).
Da mesma forma, há fatores que podem ser considerados protetores contra o suicídio, como flexibilidade cognitiva; disposição para buscar ajuda; bom relacionamento familiar e apoio em situações de necessidade; senso de responsabilidade em relação à família; e presença de filhos, gravidez ou crianças pequenas em casa. Fatores socioculturais como integração em grupos sociais, prática religiosa ou outras práticas coletivas e, ainda, a disponibilidade dos serviços de saúde mental e boa relação terapêutica são considerados fatores de proteção. Deve-se compreender, entretanto, que esses fatores apenas apontam para pontos de apoio para cada paciente e precisam ser considerados em um contexto mais amplo.
O cuidado com pessoas que tentaram o suicídio deve ser contínuo. O encaminhamento para serviços especializados, então, aparece como trabalho indispensável no tratamento e prevenção desses casos. Após a avaliação de riscos de cada paciente, dentro das instituições hospitalares, alguns caminhos são possíveis para encaminhar essas pessoas para acompanhamento e tratamento em serviços de saúde mental, considerando que muitos serviços de Psicologia Hospitalar não possuem serviços ambulatoriais e especializados para acompanhamento prolongado desse tipo de demanda.
Pacientes cuja tentativa de suicídio se relacione com eventos precipitantes e específicos, com planejamento e método de baixa letalidade, apresentando suporte familiar e social estável, e com repertório de autocuidado são encaminhados para atendimento e acompanhamento ambulatorial, recebendo alta dos serviços emergenciais (Botega, 2010).
Casos de pensamento suicida crônico, que apresentem históricos de autolesão sem repercussão grave, são encaminhados diretamente para serviços ambulatoriais (Botega, 2010). Segundo Botega (2010, p. 94), um encaminhamento bem embasado e cuidadoso pode ser a primeira intervenção de reorganização de pacientes em sofrimento emocional, repercutindo em todo seu tratamento após o ato suicida.
Alguns serviços da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para os quais pacientes com ideação e tentativa de suicídio podem ser encaminhados são:
Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) – serviços do Sistema Único de Saúde (SUS) especializados em atendimento e acompanhamento para casos graves e persistentes de saúde mental. Os CAPS são organizados por faixa-etária – como os CAPSi, por exemplo, voltados ao público infantojuvenil – e demandas de atendimentos. Nesses centros, pacientes passam por avaliação e, após sua inserção no serviço, profissionais de saúde mental realizam o seu acompanhamento em atendimentos individuais e em grupo.
Clínicas-escola – os serviços de atendimento clínico das universidades que possuem cursos de Psicologia oferecem atendimentos psicológicos realizados por estudantes dos últimos anos da graduação, sob supervisão de docentes. As clínicas-escola acabam sendo uma boa alternativa para acompanhamentos ambulatoriais de longo prazo.
Unidades Básicas de Saúde (UBS) – as UBS oferecem atendimentos individuais pontuais, para encaminhamento de pacientes a serviços especializados em atendimentos em grupos terapêuticos. O acompanhamento territorial, nos casos de suicídio, é realizado pela UBS, que é uma importante ferramenta de cuidado e atenção a indivíduos em sofrimento emocional.
Consultórios particulares e atendimentos sociais: o consultório clínico psicológico é indicado para pacientes com ideação persistente, e o seu objetivo é oferecer cuidado e acompanhamento mais próximos e prolongados. Há profissionais e institutos que oferecem atendimento com valores sociais.
Referências:
Botega, N.J; Bertolote, J.M.; Santos, C.M. Detecção do risco de suicídio nos serviços de emergência psiquiátrica. In: Revista Brasileira de Psiquiatria • vol 32 • Supl II • out 2010.
Botega, N.J. Crise Suicida: avaliação e manejo. Porto Alegre, Artmed, 2015.