Por conselheiro psicólogo Paulo Vitor Palma Navasconi (CRP-08/25820)

Em geral, a morte é percebida como um tabu. As pessoas não gostam e não querem discutir sobre ela e, com isso, verifica-se um mecanismo de manutenção da vida a qualquer custo. Atualmente, se pensarmos no processo histórico acerca do fenômeno do suicídio, podemos pontuar avanços e retrocessos no que caracteriza a forma de compreensão, prevenção e cuidado com este fenômeno tão complexo.
Entretanto, ainda na contemporaneidade o ato suicida assume uma característica de clandestinidade, isto é, a pessoa que tenta o suicídio é percebida e representada como se estivesse transgredindo regras que foram construídas para nós e expressas por nossa sociedade capitalista, segundo as quais a morte encontra-se banida, como um tabu, algo que a qualquer custo se deve evitar, não se diferenciando dos séculos anteriores.
Desta forma, não se fala sobre o morrer, mas, sim, vende-se a vida a todo custo.
Os dados mais recentes da Organização Mundial da Saúde mostram que o fenômeno do suicídio vitimiza aproximadamente 700 mil pessoas por ano, o que significa uma morte a cada 44 segundos no mundo. O Brasil é o oitavo país em número absoluto de suicídios, registrando, em média, 11 mil casos por ano, isto é, 31 mortes por dia, sendo o número entre homens quase quatro vezes maior que entre as mulheres. No período de 2010 e 2019, segundo o Ministério da Saúde, ocorreram no Brasil 112.230 mortes por suicídio, com um aumento de 43% no número anual de mortes, de 9.454 em 2010, para 13.523 em 2019.
O suicídio estaria associado a fatores econômicos, políticos, raciais, sociais, culturais, climáticos, territoriais, psicológicos e biológicos. Ou seja, não se trata de um problema individual, de exclusividade daquela pessoa que “escolhe” se matar, mas é sobretudo é uma questão da sociedade. Afinal, que tipo de sociedade estamos construindo? E, por consequência, o que nos dispomos a construir, e para quais corpos e vidas? O indivíduo precisa morrer para ter escuta?
Estamos morrendo, estamos adoecendo, estamos em constante sofrimento psíquico, mas o que o saber científico tem feito diante desta realidade? Se a morte passa a ser a resolução para a exclusão do meio no qual nós nos encontramos, por que a sociedade não chora e luta a favor das nossas dores? De que forma estão nos notando? Aliás, estão nos notando? A sociedade está disposta a nos escutar? (Navasconi, 2019).
Na maioria das vezes, a pessoa que idealiza o suicida grita e clama pela atenção alheia numa tentativa de visibilidade, bem como de ajuda e socorro, mas, na maioria das vezes, o que recebe é o silêncio. E receber o silêncio faz com que a pessoa se afunde ainda mais na solidão e na sensação de estar imersa em um mundo sem saídas, fazendo com que internalize a ideia de que o problema está nela.
Por isso, é de suma importância perceber que essas vozes são vozes silenciadas pela sociedade, de modo que a pessoa está dentro de um grupo formalmente estabelecido, mas, simbolicamente, sem laços de pertencimento e escuta, e, assim, segue nas sombras da invisibilidade.
É fundamental que, enquanto categoria profissional, possamos entender que o fenômeno do suicídio vai além do que entendemos por setembro amarelo, bem como falar sobre o comportamento suicida também é falar sobre os processos históricos, sobre as desigualdades econômicas, sociais, raciais, territoriais, étnicas e de gênero.
É, ainda, entendê-lo na sua complexidade, ou seja, um fenômeno que se configura como uma questão humana e universal, entendendo que este humano possui, no mínimo, raça, classe e gênero. Ou seja, estamos defendendo que este é um processo no qual não há uma única causa, em que o ensejo não deve ser reduzido a um acontecimento específico. Afinal, como a literatura científica demarca, o fenômeno do suicídio exige uma análise da culminação dos fatores psicossociais e das experiências singulares do indivíduo. A complexidade do suicídio reside no modo como esses fatores se entrelaçam e, sobretudo, se potencializam.
A Organização Mundial da Saúde (OMS, 2012) afirma que os principais fatores associados ao suicídio são tentativas anteriores de tirar a própria vida, doenças mentais, principalmente, depressão e abuso/dependência de álcool e drogas, ausência de apoio social, histórico de suicídio na família, forte intenção suicida, eventos estressantes e características sociodemográficas, tais como pobreza, desemprego e baixo nível educacional.
No entanto, a percepção hegemônica é ainda estruturada por análises causalistas, deterministas, individualistas e psicopatologizantes deste problema social. Sendo assim, na tentativa de tornar visível uma realidade que existe, mas que se faz presente na invisibilidade, é que propomos esta coletânea na tentativa de demarcar e tear novos saberes, reflexões e percepções acerca de uma questão multifacetada, interseccional e de saúde pública.
Em outras palavras, a compreensão sobre os processos de colonialidade, epistemicídio, heteronormatividade e branquitude nos ajuda a pensar o fenômeno do suicídio de modo mais plural e interseccionalizado, bem como reconhecê-lo enquanto uma questão de fato multifacetada e composta por diferentes marcadores da diferença, além de atravessamentos culturais, econômicos, biológicos, psicológicos, etc.
Isso nos possibilita tear e produzir perguntas e mudanças geográficas da razão. Afinal, como estamos observando e compreendendo um fenômeno que se estrutura por tamanha complexidade? (Lima; Navasconi, 2022).