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Psicologia nas escolas pode virar lei e CRP-PR debate importância da(o) Psicóloga(o) no combate à violência

Bullying, humilhações, agressões físicas, abusos e até o uso de armas. As diferentes expressões da violência na escola promovem um debate entre profissionais de diversas áreas, que buscam explicações e possíveis soluções para o problema de acordo com suas expertises. Essa é uma das temáticas em que a Comissão de Psicologia Escolar e da Educação do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) vem se debruçando de forma intensa, buscando valorizar a presença da(o) profissional de Psicologia no contexto escolar e educacional.

Entre as ações realizadas pela Comissão para destacar a importância dessa contribuição, está a publicação de um Manifesto intitulado “Quem está faltando na escola? A(O) Psicóloga(o) Escolar!”, a realização do II Encontro Paranaense de Psicologia na Educação – que inclusive teve a violência nas escolas como tema –, além da reunião de aproximação da Comissão com a Secretaria de Educação do Estado e a participação do CRP-PR no Seminário “Violência nas Escolas”, realizado na Assembleia Legislativa do Paraná em maio de 2019.

A Comissão fecha este trabalho com a publicação de um texto que traz reflexões, questionamentos e considerações em torno do papel da Psicologia frente ao cotidiano escolar, as tragédias e as tantas formas de violências que ocorrem nas escolas. Sem formular respostas definitivas e absolutas, a produção aborda as principais variáveis envolvidas nesses fenômenos, a interação entre elas e os seus resultados.

Um dos aspectos a se considerar na discussão, de acordo com o texto, é que a violência é uma questão que está intimamente ligada à dimensão psicológica e seus efeitos no desenvolvimento e na aprendizagem. Fatores de risco e fatores de proteção, que são as condições associadas à probabilidade de determinados resultados positivos ou negativos no desenvolvimento, devem ser analisados para compreender a configuração dos contextos situacionais, os antecedentes que fizeram parte da vida do responsável pela violência. Por exemplo, frente a abandonos parentais, quais teriam sido os efeitos sobre o comportamento desse jovem? Como ele lidou com as ausências sofridas? O texto traz uma série de pontos sobre esse aspecto.

Além disso, ressalta-se que o ambiente institucional e o espaço escolar, de forma generalizada, identificam a violência como algo relacionado a problemas que são independentes e alheios à escola: “Um cenário desconcertante, a clamar a presença da(o) profissional da Psicologia, indispensável para viabilizar metodologias e dinâmicas em prol da paz e bem-estar geral no espaço educacional”, explica o texto.

Políticas públicas

No ano de 2006 foi criada a Lei n° 15.075 que autoriza ao Governo do Estado do Paraná a implantar o Programa de Atendimento Psicopedagógico e Social em todas as unidades escolares que integram a Rede de Ensino Público. Porém, a legislação não garante essa atuação. Em nível nacional, o Projeto de Lei n° 3688/2000, que está tramitando na Câmara dos Deputados, prevê serviços de Psicologia e de Serviço Social para as redes públicas de educação básica, por meio de equipes multiprofissionais. De acordo com o texto, essa atuação, envolvendo a família e a comunidade, poderia diminuir a violência e a indisciplina na escola, “responsabilizando a todos, e não apenas o aluno pelo insucesso em seu aprendizado”.

A Psicologia Escolar e Educacional e a violência nas escolas

Texto elaborado pela Comissão de Psicologia Escolar e da Educação: Nelson Fernandes Junior (CRP-08/07298), Irene Carmem Piconi Prestes (CRP-08/08/01877), Maísa Pereira Pannuti (CRP-08/08/04122), Queila Abigail Luz Trojak (CRP-08/08/20764), Neyre Correia da Silva (CRP-08/08/03496), Suelen Vilalva (CRP-08/08/21257).

A violência na escola tem se agravado de maneira exponencial e assumido diversas formas de expressão: algumas mais evidentes e outras mais sutis. Episódios graves com o uso de armas, agressões físicas, ocasionais brigas, furtos, empurra-empurra e casos de abuso são expressões evidentes. Existem também casos de violência simbólica como o bullying, humilhações, situações vexatórias, racismo, questões de gênero ou religião.

Recentemente, em março de 2019, na cidade de Suzano, região metropolitana de São Paulo, a Escola Estadual Raul Brasil foi palco de uma tragédia que deixou dez mortos e cerca de 15 feridos. Esse episódio por si só, em conjunto com uma série de vídeos que demonstram as cenas do massacre, é chocante, e deixa a todos em pânico.

Na ânsia por uma explicação plausível (se é possível) a uma sociedade que busca justiça, profissionais das mais diversas áreas são solicitados a explicar, de acordo com suas expertises, quais foram os fundamentos dessa barbárie protagonizada por dois jovens, um de 17 e outro de 25 anos de idade.

Percebemos que temas como este somente se instalam nas manchetes e geram polêmicas e solicitações de providências após a ocorrência de tragédias fatais que geralmente envolvem crianças ou jovens na adolescência. Mas outros, também de grande violência, acabando se instalando no dia a dia das escolas. 

Alguns questionamentos podem assim ser expressos: e nós, profissionais da Psicologia, como poderíamos nos manifestar sobre o ocorrido em Suzano? Como poderíamos nos posicionar sobre tragédias como essa e outras tantas semelhantes, que envolvem a educação, o cotidiano escolar e a Instituição Escolar? Apontaremos, então, algumas elucidações e considerações, longe de formular respostas definitivas e absolutas.

Ninguém discorda que o caso Suzano, assim como outros semelhantes (Columbine em 1999, Realengo em 2011, Medianeira em 2018), classificam-se como tragédias, barbáries, ataques meticulosamente planejados e executados com crueldade. É fato também que, nas interações da atualidade, afloradas estão a fragilidade nos vínculos sociais e o limiar de (in)tolerância à frustração na convivência com o outro.

No entanto, na análise de um determinado fenômeno é necessário que identifiquemos as variáveis envolvidas, e que consideremos também a inter-relação entre elas e seus resultados. Essa não é uma tarefa simples, pois os dados obtidos a partir de reportagens e materiais divulgados podem não expressar de forma integral a realidade, o contexto em que tais eventos ocorreram, e as condições específicas inter-relacionais pertencentes aos protagonistas das tragédias.

O que poderíamos levantar sobre esses eventos são hipóteses e conjecturar sobre elas…

Primeiramente, é necessário considerar que todos somos seres humanos em desenvolvimento e que esse processo não ocorre ao acaso, ele se concretiza em contextos específicos nos quais estamos inseridos. O que temos no caso dos massacres em escolas são apenas alguns recortes da história de vida dos seus personagens, o que, de fato, torna a nossa análise um desafio maior ainda.

Há muito tempo estamos discutindo que as consequências de ignorarmos a dimensão psicológica do desenvolvimento e da aprendizagem têm efeitos desastrosos. Diversos estudos mostram isso.

O processo de desenvolvimento é complexo, principalmente porque esses variados e distintos contextos englobam diferentes relações interpessoais, cada qual munida de maior ou menor valor afetivo. Como parte essencial desse processo podemos refletir acerca da existência de fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento, aos quais os responsáveis pela tragédia estiveram ou estavam expostos.

Fatores de risco são condições ou variáveis associadas à alta probabilidade de ocorrência de resultados negativos ao desenvolvimento, isto é, aumentam a probabilidade desse indivíduo desenvolver dificuldades comportamentais e emocionais. Já os fatores de proteção referem-se às condições ou variáveis que melhoram ou alteram a resposta dos indivíduos a ambientes hostis, e assim, diminuem a probabilidade de o indivíduo desenvolver problemas emocionais e de conduta.

Analisar algumas informações veiculadas sobre esses casos a fim de compreender como se configuravam os contextos situacionais e quais poderiam ser os antecedentes de um massacre é muito importante: abandonos parentais, luto de ente querido ou adulto de referência para o jovem, dependência química dos pais ou responsáveis, falta de tempo e atenção dedicados aos filhos, episódios de bullying que afastam o aluno do interesse educacional e relacional, fragilidade nos vínculos com a instituição e aprendizagem escolares e contatos com fóruns de discussão de massacres e crimes são algumas entre várias outras possibilidades.

Importante também se faz avaliar a quais fatores de risco e proteção os atores do massacre estariam expostos durante as fases da infância, adolescência e início da vida adulta, e ainda quais teriam sido os efeitos deles sobre o comportamento: como lidar com as ausências sofridas? Qual a qualidade de relação com genitores ou responsáveis? Quais as primeiras referências de cuidado que esses indivíduos tiveram na vida? Por quem e como eram supervisionados? A partir da forma como foram vistos pelas figuras significativas em suas vidas, como passaram a ver a si mesmos? Quais eram os repertórios comportamentais que dispunham nos momentos em que se sentiam atacados e humilhados? Em termos afetivos e cognitivos, como se davam as suas relações com a escola e a aprendizagem? Sentiam-se percebidos, aceitos e apoiados no ambiente escolar? Quais aspectos motivaram a evasão da escola? Qual era o significado da instituição escolar e das relações lá estabelecidas que motivaram o ataque à escola? Possuíam recursos comportamentais e emocionais para o enfrentamento de episódios moralmente abusivos? Quais eram suas expectativas de futuro? Infindáveis pontos merecem questionamentos e elucidações.

Embora cada profissional seja de inestimável valor, precisamos singularizar a fundamental importância da(o) Psicóloga(o) Escolar e Educacional nesse contexto de violência percebido nas instituições de ensino e aprendizagem. É certo que esta não é uma questão apenas da Psicologia, mas “principalmente” voltada a ela. E, assim, retomamos um dos primeiros aspectos presentes nessa temática, que é o ambiente institucional e o espaço escolar.

Como a escola tem lidado com o alunado e os problemas em relação aos seus educandos?  Parece-nos que de forma generalizada identifica a violência como delinquência, crime, falta de suporte familiar, desajustes familiares, drogadição, etc., concebidos como sendo independentes e alheios à escola.

Nesta concepção estaria o jovem sozinho a resolver seus problemas, comportando-se no espaço escolar de forma a submeter-se passivamente ou lutar usando recursos próprios para se defender das situações violentas?

E o professor? Sem capacitação para lidar com essa diversidade, uma vez que também tem sido alvo de violência, sente-se desamparado e desempoderado para fazer algo transformador.

Um cenário desconcertante, a clamar a presença da(o) profissional da Psicologia, indispensável para viabilizar metodologias e dinâmicas em prol da paz e bem-estar geral no espaço educacional.

Como medida importante, no ano de 2006 criou-se a Lei nº 15.075, que autoriza ao Governo do Estado do Paraná a implantar o Programa de Atendimento Psicopedagógico e Social em todas as unidades escolares que integram a Rede de Ensino Público, do ensino fundamental e médio, no Estado do Paraná. Cada unidade de ensino fundamental e médio que integra a Rede Pública Estadual deverá contar com equipe interprofissional habilitada a prestar atendimento psicopedagógico e social ao estudante matriculado, e dar suporte técnico à direção e aos professores.

A equipe prevista em lei é de no mínimo, uma(um) Psicóloga(o), uma(um) Pedagoga(o) e uma(um) Assistente Social. Tal equipe, conforme expressa a lei, deve prestar atendimento preventivo ou terapêutico ao estudante, conforme a situação ou caso detectado no cotidiano escolar; deve, ainda, articular-se com os pais e familiares responsáveis por estes estudantes, a fim de promover orientação.

A lei apenas “autoriza”, e isso não têm sido o suficiente para que essa realidade se concretize.  Importante se faz apontar que esta lei é considerada por muitos legisladores como inconstitucional. Desta forma, apoiar-se nesta legislação é passível de posicionamentos inseguros. Vale então relembrar de que forma o trabalho da(o) Psicóloga(o) pode contribuir no espaço educativo. O Conselho Federal de Psicologia, através da Resolução nº 13 de 2007, estabelece que a(o) Psicóloga(o) Escolar e Educacional é a(o) profissional que se mostra competente a acompanhar os atores do contexto educativo; apta(o) a atuar no âmbito da educação, nas instituições formais ou informais; a colaborar para a compreensão e para a mudança do comportamento de educadores e educandos, no processo de ensino-aprendizagem, nas relações interpessoais, nos processos intrapessoais e emocionais, referindo-se sempre às dimensões política, econômica, social e cultural; a realizar pesquisa, diagnóstico e intervenção psicopedagógica individual ou em grupo; a participar também da elaboração de planos e políticas referentes ao Sistema Educacional, visando a promover o todo (profissionais, docentes e discentes).

Ao realizar o mapeamento das necessidades emergentes desse contexto e criar projetos de curta, média e longa durações, possibilita-se atender às demandas específicas, respeitando as particularidades daquela cultura, visando aos resultados de natureza qualitativa e quantitativa. Outro importante alicerce é construir relações mais humanizadas e promover o desenvolvimento da aprendizagem significativa ao aluno.

Em atuação interdisciplinar, envolve a escola juntamente com a família e a comunidade, diminuindo a repetência, a evasão escolar, assim como a violência e indisciplina na escola, responsabilizando a todos, e não apenas o aluno pelo insucesso em seu aprendizado.

Talvez nesse ponto você esteja se perguntando: “Isso significa que se houvesse Psicólogas(os) nas escolas, os massacres não teriam acontecido?” Talvez o trabalho de Psicólogas(os) na escola não tivesse impedido massacres, mas afirmamos que inúmeras tentativas e um empenho incansável para o desenvolvimento de ações preventivas poderiam amenizar a ocorrência de eventos como esses.

Detectar e combater a violência simbólica vem se tornando um grande desafio para profissionais da área da educação. Afinal, o que fazer quando ela acontece? Derrotar violência com mais violência? Com certeza não será este o caminho.

A(O) Psicóloga(o) Escolar e Educacional é profissional que atua nos processos de construção do conhecimento, na atuação e investigação científicas, no preparo profissional e na problemática escolar; profissional imprescindível para mudar o cenário atual de negligência educacional, competente para atuar preventivamente no desenvolvimento de estratégias que reduzam circunstâncias prejudiciais no ambiente institucional, com foco no sucesso e não no fracasso escolar. Embora tão necessário, é alijado de um campo de trabalho de carente acolhimento, e pouco valorizado, apesar da evidente demanda.

Não existe uma fórmula capaz de acabar com a prática da violência automaticamente. Aliados precisamos estar: Psicólogas(os), funcionários da instituição escolar, professores, alunos, família, comunidade, pesquisadores, instituições afins e autoridades.

Algumas iniciativas para envolver todos os integrantes direta ou indiretamente nos processos educativos que ocorrem nas escolas e mobilizar ações na identificação e no combate à violência vêm sendo realizadas no Estado do Paraná. Nesses programas, nem sempre devidamente visualizados e valorizados, geralmente encontramos Psicólogas(os) dispostas(os) a contribuir para promover e gerar relações e práticas mais humanizadas.

Como aqui nos pronunciamos, há intervenções que a Psicologia Escolar e Educacional pode tomar como prevenção à violência, mas para fazer uso delas, a(o) Psicóloga(o) Escolar e Educacional precisa estar efetivamente instituída(o) na escola.

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