Por Psic. Flávio Voigt Komonski (CRP-08/19733), membro da Comissão de Ética do CRP-PR
No dia 21 de janeiro, promove-se no Brasil o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa. Essa data, criada em 2007, provém do tardio reconhecimento do Estado brasileiro em relação às violações da liberdade de crença no país e da necessidade de afirmar o direito das cidadãs e cidadãos brasileiras(os) à liberdade de consciência e de crença.
O Código de Ética Profissional da Psicologia (CEPP) faz várias referências à questão da liberdade religiosa desde os seus Princípios Fundamentais. Estes princípios preconizam uma atuação profissional baseada “no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade”, assim como a eliminação de quaisquer formas de discriminação. Além disso, preveem que a atuação da(o) profissional de Psicologia seja capaz de fazer uma análise crítica e histórica da realidade política, econômica, social e cultural.
Estes princípios parecem reconhecer que, ainda que seja um país fortemente permeado por religiosidade, o Brasil contém dinâmicas discriminatórias à liberdade religiosa.
Em geral, tais dinâmicas afetam principalmente grupos religiosos afro-brasileiros, nichos religiosos minoritários e o ateísmo. Entretanto, a postura da(o) profissional de Psicologia deve ser pautada pelo respeito às subjetividades de pessoas em qualquer denominação religiosa.
Manter-se balizada pela laicidade não é uma orientação para evitar o tema da religião. Há importância nas produções subjetivas que podem ser derivadas do encontro entre a Psicologia e as crenças espirituais de cada pessoa. Em 1988, a Organização Mundial da Saúde (OMS) incluiu a espiritualidade em seu conceito multidimensional de saúde, definindo-a como a interface humana em relação a questões como significado e sentido da vida, não limitada a um único tipo de crença ou prática religiosa.
Essa inclusão traz visibilidade à importância dessa dimensão para uma experiência humana carregada de sentido. Sendo assim, a postura da(o) profissional de Psicologia precisa se organizar a partir de uma escuta sensível e respeitosa às realidades espirituais, mas também mantendo atenção às dinâmicas ali presentes que possam vir a violar direitos humanos fundamentais.
Vale também lembrar o que diz o artigo 2º, alínea “b” do Código de Ética Profissional, que veda à(ao) Psicóloga(o) “induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais”. Isto quer dizer que, ainda que possa haver uma dimensão religiosa na pessoa da(o) profissional de Psicologia, esta jamais deve pautar sua atuação no contexto do seu ofício.
Entretanto, numa realidade em que a intolerância religiosa se faz presente, faz parte de uma conduta ética desenvolver uma postura crítica em momentos em que o saber psicológico fundamentado na ciência e no respeito aos direitos humanos é atacado pelo fundamentalismo religioso.
Os exemplos são vários e cotidianos, desde a tentativa de grupos fundamentalistas de coagir Conselhos Profissionais a inserir no setting terapêutico práticas pautadas por suas crenças religiosas, passando por comunidades terapêuticas que podem não respeitar a liberdade religiosa de seus clientes, até realidades jurídicas em que a participação de uma pessoa em determinadas confissões religiosas possa influenciar nas decisões de disputa pela guarda dos filhos.
A prática da Psicologia precisa sempre buscar separar sua atuação pautada pela ciência dos conhecimentos dogmáticos da religião, lembrando sempre que, apesar de a Psicologia poder ter uma dimensão espiritual, ela não tem uma dimensão religiosa. Mesmo assim, é possível e encorajado que nos aprofundemos no debate das relações da Psicologia com a espiritualidade, produzindo a partir de um olhar respeitoso aos mais diversos conhecimentos populares e tradicionais presentes em nosso território nacional.
Essa atenção respeitosa pode ser uma fonte muito rica para expandir a compreensão dessa dimensão tão importante do ser humano, sem violentar subjetividades e respeitando a diversidade em mais um aspecto da experiência humana.