Composição equânime entre pessoas brancas e negras da futura Equipe Técnica da Coordenação Nacional de Saúde Mental e descolonização dos dispositivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) são algumas das demandas da uma carta aberta produzida pela Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental (FENNASM), corroborada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR).
O documento sintetiza temas fundamentais para atuação da FENNASM em sua perspectiva da racialização do debate sobre saúde mental, dispositivos substitutivos ao manicômio e sobre a necessária disputa de uma perspectiva antirracista para a Política Nacional de Saúde Mental e Política Nacional sobre Drogas. Reflete ainda que, após anos de ataques à Reforma Psiquiátrica Brasileira, é necessário o fortalecimento dos princípios democráticos da luta antimanicomial, antirracista e antiproibicista.
O manifesto público destaca também o necessário protagonismo assumido pela negritude no campo da luta antimanicomial, antirracista e antiproibicista, analisando os lugares de trabalhadoras(es), pesquisadoras(es) e mobilizadoras(es) sociais que enfrentam o vazio de formulações específicas para a promoção de saúde mental da população negra.
Por consequência do racismo e do epistemicídio, a Reforma Psiquiátrica tem dificuldades expressivas para a promoção de atenção psicossocial de pessoas negras que focam na singularidade de suas vivências como suas concepções de bem estar e bem viver, com uma escuta qualificada e estratégias de manejo para as repercussões do racismo na subjetividade, além das experiências territoriais das pessoas negras, relações com espiritualidades e cosmovisões próprias.
O CRP-PR apoia e defende essa luta, reafirmando seu comprometimento com a reformulação de uma Psicologia que seja igualitária, sem preconceitos e na defesa dos direitos de todas as pessoas.
Leia a íntegra da Carta Aberta da Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental (FENNASM)
Saudações antimanicomiais, antiproibicionistas e antirracistas!
Depois de anos de desmontes e ataques à Reforma Psiquiátrica brasileira, temos a possibilidade, com o atual cenário definido pelo pleito eleitoral, de retomar o fortalecimento dos princípios democráticos da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas e fazê-los avançar ainda mais. Apesar dos retrocessos político-institucionais gerados pela contrarreforma, esse período também foi marcado por avanços sociais.
Avançamos, especialmente, na mobilização da luta antirracista que fez emergir um novo protagonismo das pessoas negras na defesa da Reforma Psiquiátrica, trazendo uma nova perspectiva política. Somos uma realidade política que se mobilizou a partir de diferentes espaços de atuação, seja como trabalhadores e trabalhadoras do SUS, como pesquisadoras/es de universidades ou como de mobilizadoras e mobilizadores sociais. O movimento da Reforma Psiquiátrica agora está mais negro do que nunca e esse protagonismo traz demandas que ainda não foram trabalhadas na sua radicalidade.
É fundamental assinalarmos que a pauta antirracista não é uma questão específica e, sim, componente da formação social brasileira e ganha contornos particulares com o aparato manicomial. O ciclo recente da contrarreforma psiquiátrica foi marcado por uma necropolítica que promoveu o fortalecimento da institucionalidade de uma rede manicomial que afeta principalmente a vida de pessoas negras. Portanto, será preciso desmontar essa rede manicomial, para que o combate ao racismo seja também estrutural, possibilitando um efetivo fortalecimento dos princípios da reabilitação psicossocial, do cuidado em liberdade, da autonomia e da emancipação, numa perspectiva anticolonial.
Diante desse cenário, iniciou-se uma mobilização nacional para a construção de uma agenda antimanicomial radicalmente antirracista através da criação da Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental (FENNASM). Acreditamos que não seja mais possível pensarmos nos avanços da Reforma Psiquiátrica, em uma perspectiva antimanicomial, sem a participação ativa desse novo protagonismo na elaboração, planejamento, execução e avaliação da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas.
Convocamos a todos e todas que queiram somar na luta pela construção de uma Reforma Psiquiátrica antimanicomial e radicalmente antirracista e antiproibicionista.
Proposições para a futura Coordenação Nacional de Saúde Mental:
- Composição equânime entre pessoas brancas e negras da futura Equipe Técnica da Coordenação Nacional de Saúde Mental – MS; ∙ Articulação da Política de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas com a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra; ∙ Construção de uma rede totalmente substitutiva as Comunidades Terapêuticas (CTs) baseado num Plano Interministerial de Desfinanciamento Progressivo das CTs dentro dos parâmetros da Luta Antimanicomial;
- Construção do antirracismo como diretrizes clínico-política da RAPS de modo a descolonizar os diferentes dispositivos de ativação da rede, como: Projetos Terapêuticos Singulares, Ambiência, Acolhimento, Apoio Matricial, Redução de Danos, dentre outros; ∙ Formação de rede de supervisão clínico-institucional, dentro dos preceitos da Educação Permanente, para qualificação da escuta e manejo da relação entre racismo, produção de subjetividade e processos de trabalho nos serviços da RAPS;
- Fortalecimento do protagonismo do Ministério da Saúde e consequentemente do SUS como instâncias de enfrentamento da política negacionista e fracassada de guerra às drogas, retomando a Redução de Danos como paradigma substitutivo ao paradigma racista e genocida do proibicionismo; ∙ Mapeamento das experiências clínico-institucionais que protagonizam um saber-fazer antirracista. Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental
Novembro de 2022