Em junho 2018, o Movimento Nacional da População em Situação de Rua (MNPR) do Paraná e outras entidades, incluindo o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), publicaram uma carta aberta à população de Curitiba sobre a realidade dessas pessoas na cidade: violência, falta de vagas nos abrigos e ausência de um plano municipal para resolver o problema da moradia de forma efetiva.
Segundo Maurício Pereira, representante do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR) do núcleo paranaense, a discussão não avançou no último ano em virtude de diversas questões, principalmente pela dificuldade de se ter todas as secretarias representadas nas reuniões do Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP Rua). “Quando as reuniões acontecem não existe quórum para que as decisões sejam votadas e encaminhadas. Como é possível falar sobre os diversos segmentos, nas secretarias de abastecimento, da política de moradia, de saúde, se esses representantes não estão presentes nas reuniões?”, questiona.
Ele explica ainda que alguns representantes estão presentes apenas para ouvir e repassar para o setor, porque não são representantes oficiais e, portanto, não podem votar. Situações de doenças, problemas pessoais e outras agendas também colaboram para que os representantes não estejam sempre presentes. “Essas questões protelam as decisões constantemente”, reclama o representante do MNPR.
Além da dificuldade de ter uma política municipal, Maurício destaca que o plano de ação estadual também não está prosseguindo. As reuniões do CIAMP a nível nacional, que deveriam acontecer a cada dois meses, encontram dificuldades na relação com o atual governo. Outro problema colocado são os recursos financeiros, que às vezes não são suficientes para garantir a presença dos movimentos de luta pela população em situação de rua nos espaços de articulação das políticas públicas e do controle social.
Um dos espaços acontecerá amanhã, dia 20 de agosto, em Brasília. Maurício ressalta que é graças às instituições parceiras que foi possível conseguir passagens e suporte de alimentação e alojamento para 10 pessoas do MNPR Paraná. Nessa ocasião, acontecerão audiências públicas e mobilizações em frente a ministérios importantes para o movimento, principalmente relacionados a questões que tratam da política de moradia e de assistência social. “Será uma semana bem movimentada em alusão ao dia de luta, o Dia Nacional da População em Situação de Rua [19 de agosto]. Pelo menos 3 mil pessoas estarão presentes”, conta Maurício.
Demandas
Na área da saúde mental, Maurício explica que a principal demanda da população em situação de rua continua sendo um efetivo atendimento e acolhimento das pessoas com transtornos mentais. Para o movimento, as estruturas do Consultório na Rua e dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) não são suficientes e favorecem uma maior vulnerabilidade dessas pessoas nas ruas.
Para ele, a única política pública que funciona em relação a essa população é a segurança pública, mas não para garantir os seus direitos. Maurício explica que a segurança pública serve apenas para aqueles que se incomodam com a presença de alguém que está em situação de rua: “a gente percebe que essa população é agredida, humilhada, violada pela segurança pública”. Isso se intensifica quando a pessoa abordada de forma violenta possui algum transtorno mental e é vista como agressiva, e então reprimida. De acordo com ele, “as pessoas ligam para o 156 e pedem a segurança pública, e não o primeiro direito de fato violado, a saúde pública”.
Atuação do CRP-PR
O CRP-PR possui dois representantes no CIAMP Rua, João Victor da Silva (CRP-08/25123) e Julia Mezarobba Caetano Ferreira (CRP-08/25872). Desde julho de 2019, quando assumiram a vaga, a Psicóloga e o Psicólogo já participaram de diversas reuniões e promoveram atividades como o Cine Debate que teve a exibição do filme “Bicho de sete cabeças”. Além disso, estão programando o 1º Fórum de Saúde Mental da Pop Rua. Para João, a população em situação de rua possui diversas demandas em relação à saúde mental, mas pouco acesso ao atendimento, o que acentua a vulnerabilidade e dificulta o caminho para encontrar um emprego, por exmplo.
A principal questão da população em situação de rua está vinculada à autoestima, segundo o representante no CIAMP Rua: “Eles não se veem no direito de ocupar um lugar na sociedade, o sentimento de inferioridade é muito acentuado. A Psicologia tem um papel fundamental para reforçar a autonomia, possibilitando que eles se sintam novamente pertencentes à sociedade”. Ele também explica que esse é um processo emocional complexo, uma vez que ao reinserir essas pessoas na sociedade elas pode se perceber em um “lugar estranho”, no qual não se sentem aceitas ou merecedoras de ocupá-lo e de ter os mesmos direitos de toda cidadã e de todo cidadão.
Além disso, João ressalta que o trabalho não é só com a população em situação de rua. Como Psicólogas(os), existe também o dever de colocar para a sociedade que a pessoa em situação de rua tem direito de estar aqui. “Se a gente trata só a visão da pessoa em situação de rua, e não trata a visão da sociedade, na verdade não estaremos eliminando o problema. É um trabalho de duas vias”, explica o Psicólogo.
João ainda analisa a participação do CRP-PR nos espaços de controle social: “Entrar nessa discussão, em um momento em que estamos perdendo direitos sociais, é muito importante. A participação do CRP-PR no CIAMP Rua evidencia um debate muito efervescente dos dois lados: a Psicologia pensando em seu papel, e essa questão social de locais de direito de uma população que é extremamente vulnerável. Essa participação também ressalta e relembra a importância da saúde mental para essa população, tentando garantir direitos novos, assim como aqueles já conquistados”.
Manter viva a história do Massacre da Praça da Sé em São Paulo, que aconteceu entre os dias 19 e 22 de agosto de 2004, e que matou sete pessoas em situação de rua, é muito importante para a nossa visibilidade. Gostaria que a sociedade visse a população em situação de rua com outros olhos, com mais empatia, permitindo o acesso a direitos. Mas, também, que nos tratassem com carinho. Vejam as pessoas em situação de rua com carinho! Além disso, a gestão pública, antes de começar a falar sobre planos de ação, que mostrem mesmo o quanto vocês podem investir financeiramente, já que vocês devem para essa população que está vulnerável. Existe uma obrigação enquanto Estado, é preciso reconhecer isso. Sejam transparentes nas três instâncias, nível municipal, estadual e da União.
Maurício Pereira, que já teve trajetória de rua, deixou uma mensagem para esse dia de luta, o Dia Nacional da População em Situação de Rua