Por Psicólogas(os) Thainã Dionísio (CRP-08/26927), Flávia Verceze (CRP-08/20236), Leandro Fazzano (CRP-08/21756), Christiane Henriques (CRP-08/22399) e Gabrielly de Souza (CRP-08/33393), colaboradoras(es) do Núcleo de Diversidade de Gênero e Sexualidades do CRP-PR
Junho é o mês do Orgulho LGBTI+. O mês é uma grande conquista desta população em busca da quebra do ciclo de violência, deslegitimação e opressão que esta minoria vem sofrendo em diversos países por séculos a fio, inclusive em terras brasileiras. No entanto, ainda são comuns as notícias sobre a pouca expansão e consolidação de políticas públicas voltadas para esta população, assim como os números crescentes da violência que a atinge.
Uma pesquisa inédita feita com base nos dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostrou que a cada hora uma pessoa LGBTI+ é agredida no Brasil, sendo as travestis e as pessoas transgênero as mais atingidas, seguido pelas lésbicas (dados retirados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) que faz parte do SUS).
Estes dados ressaltam a necessidade de ainda falarmos e agirmos em relação à garantia de direitos das pessoas LGBTI+. Vale, neste momento, abrirmos a discussão com um dos princípios fundamentais do Código de Ética da Psicologia:
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Princípios Fundamentais).
Em um contexto tão difícil e trágico que temos vivido no Brasil atualmente, o Núcleo de Diversidade de Gêneros e Sexualidades (Diverges) do CRP-PR em Londrina tem como proposta retomar as diversas conquistas da população LGBTI+ ao longo dos últimos anos, fruto de grande luta popular e engajamento político diante das desigualdades e discriminações de gênero. Conhecer os marcos desta luta é importante para que a categoria esteja sempre atenta à garantia de direitos das minorias.
Rebelião de Stonewall e conquistas históricas
O mês de Orgulho LGBTI+ é celebrado em junho devido ao acontecimento conhecido como Rebelião de Stonewall, que ocorreu no dia 28 de junho de 1969 no bar Stonewall Inn, localizado em Manhattan, Nova York, Estados Unidos. O bar era conhecido na época por ser frequentado principalmente por pessoas LGBTs, e vinha sendo alvo de várias batidas policiais, muitas delas extremamente violentas. Nesta data específica, uma batida policial particularmente agressiva foi combatida pelos frequentadores do local. O fato, que ficou marcado na história com alguns nomes em destaque – como Martha P. Johnson, Miss Major Griffin-Gracy e Sylvia Rivera, as três mulheres trans e não brancas – deu um grande impulso para diversas conquistas nos anos seguintes, dentro e fora dos Estados Unidos, inclusive no Brasil.
O histórico de lutas e conquistas da população LGBTI+, no entanto, é bem anterior à Rebelião de Stonewall, e segue até os dias de hoje. Em 1830, as relações sexuais homoafetivas deixaram de ser consideradas crime no Brasil com a promulgação do Código Penal do Império – até hoje, estima-se que aproximadamente 72 países ainda criminalizam as relações homossexuais, segundo a ILGA (Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersexuais).
Porém, só em 1973 a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Associação Americana de Psiquiatria e, no ano de 1975, pela Associação Americana de Psicologia. A decisão no Brasil foi tomada antes de manifestações da OMS (Organização Mundial de Saúde) e da CID (Classificação Internacional das Doenças), que se posicionaram da mesma forma em 1990 e 1992, respectivamente.
Este contexto também serviu de plano de fundo para a formulação da Resolução CFP nº 001/99, que estabelece normas de atuação para as(os) Psicólogas(os) em relação à orientação sexual, enunciando que não cabe às(aos) profissionais da Psicologia no Brasil a oferta de qualquer tipo de terapia de reversão sexual, popularmente conhecida como “Cura Gay”, já que a homossexualidade não é considerada patologia e, portanto, não precisa de cura. A formulação dessa resolução só se deu graças a dois processos: a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos nas décadas de 1960 e 70 e aos estudos científicos, que passaram a colocar a homossexualidade como uma orientação sexual tão válida quanto a heterossexual.
É importante também ressaltar os Princípios de Yogyakarta, promulgados após reunião entre especialistas na Indonésia. O Brasil é signatário deste documento que estabelece 29 princípios universais que dizem respeito aos direitos humanos, dentre os quais se encontra o direito à igualdade e não discriminação.
Desde 2011 as uniões estáveis foram permitidas e, em 2013, o casamento entre pessoas do mesmo sexo no Brasil foi regulamentado. Além disso, mais uma conquista em relação aos direitos da população LGBTI+ foi a aprovação do PL 672/2019, que incluiu “os crimes de discriminação ou preconceito de orientação sexual e/ou identidade de gênero” na Lei de Racismo, criminalizando a LGBTfobia.
A Psicologia na promoção de direitos
No ano de 2018, muitas mudanças ocorreram nos cenários nacional e internacional. Neste ano, a Organização Mundial de Saúde (OMS) determinou a retirada da transexualidade como doença do CID. A Psicologia brasileira também avançou mais um passo em seu papel social e político no enfrentamento ao preconceito, e foi lançada a Resolução CFP nº 001/2018, que regularizou o atendimento de Psicólogas(os) voltado a pessoas transexuais e estabeleceu, em consonância com a Res. CFP 001/99, o dever social de profissionais da Psicologia na luta pela erradicação de formas de opressão contra esta população, de forma a não reproduzir violências. No mesmo período, o CRP-PR, juntamente com a Comissão de Direitos Humanos e o núcleo Diverges, produziu a Nota Técnica CRP-PR nº 002/2018, voltada para orientações de caráter técnico da atuação de profissionais com a população trans. No ano de 2019, o Diverges redigiu a Nota Técnica CRP-PR nº 001/2019, que orienta profissionais na prática com pessoas LGB+, atentando para algumas especificidades de cada orientação sexual.
Tais conquistas são de extrema importância para a luta da população LGBTI+ como um todo, e as(os) profissionais da Psicologia enquanto indivíduos e categoria profissional muito têm a aprender com todo este histórico de luta. A nossa prática sempre deve ser voltada para nossos princípios éticos e pautada no saber construído não apenas academicamente ou em cursos de especialização específicos de cada área de atuação, mas com o próprio desenvolvimento de nossa história no contexto geral. Ao trabalharmos com pessoas LGBTI+, o histórico de luta, opressão e discriminação deve sempre ser levado em conta, pois são fatores imprescindíveis para uma atuação eficaz e ética, não apenas no contexto do trabalho, mas na nossa formação como indivíduos ativos e motores de transformação social.