
O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), por meio da Comissão Transcentrada, vem, por meio desta nota, demarcar seu posicionamento contrário e expressar seu repúdio à Resolução CFM nº 2.427, de 8 de abril de 2025, uma vez que as diretrizes profissionais da Psicologia não compactuam com a lógica expressa na referida resolução. A normativa do CFM altera aspectos éticos e técnicos para atendimento a pessoas trans, travestis e trans não binárias em processo de afirmação de gênero: estabelece a proibição da hormonização cruzada a menores de 18 anos, o veto para cirurgias de redesignação de gênero com potencial efeito esterilizador para menores de 21 anos, e a proibição da prescrição de bloqueadores hormonais para tratamento de disforia de gênero em crianças e adolescentes.
A resolução recentemente publicada representa uma grave violação de direitos humanos e fundamentais, reforçando práticas patologizantes que estigmatizam corpos dissidentes de gênero. Contraria, também, o histórico de luta pela retirada das vivências trans, travestis e trans não binárias dos manuais diagnósticos, bem como reforça a discriminação e as práticas excludentes no atendimento médico. Isso tudo compromete o acesso à saúde e ao cuidado em saúde mental, bem como aprofunda barreiras e violências institucionais. Ao desconsiderar também a autonomia de adolescentes de participarem em processos decisórios que envolvem suas próprias vidas, a resolução fere a condição de adolescentes como sujeitos de direito, tal qual estabelece o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
A referida normativa, ao condicionar o acesso a cuidados afirmativos de saúde a critérios patologizantes, especialmente para adolescentes, e ao reforçar concepções que associam a diversidade de identidades de gênero a transtornos, soa como uma tentativa de controle político e moral de corpos dissidentes. A resolução do CFM também desconsidera a relevância dos saberes e práticas de outras profissões da saúde, dentre elas a Psicologia. O acompanhamento psicológico e psiquiátrico deve ocorrer em equipes multiprofissionais, articulado com políticas públicas, e o acesso deve ser amplo, não restrito a centros específicos. Ressalta-se ainda, que a transfobia e o exorsexismo são práticas discriminatórias reconhecidas como crime pelo STF desde 2019, sujeitas ao rigor da lei.
Diante disso, a Psicologia, enquanto profissão regulamentada, tem como fundamento a promoção da saúde mental e a defesa da dignidade humana, bem como apresenta princípios que orientam a atuação profissional em posição contrária às limitações da referida nota. Estas diretrizes estão previstas no Código de Ética Profissional do Psicólogo (artigos 1º, 2º e 8º dos Princípios Fundamentais) e nas Resoluções do Conselho Federal de Psicologia, em especial a Resolução CFP nº 001/2018, que estabelece normas para o atendimento a pessoas transexuais e travestis, e a recente Nota Técnica CFP nº 11/2025, sobre a atuação de profissionais de Psicologia no atendimento às pessoas trans, travestis e trans não binárias.
Conforme destaca a Nota Técnica CFP nº 11/2025, é necessário que a atuação de profissionais da Psicologia seja balizada por uma abordagem não patologizante que respeite a autodeterminação das identidades de gênero. “É fundamental que profissionais adotem uma postura que não seja baseada em modelos normativos hegemônicos, mas que considere a influência das interseccionalidades na saúde mental das pessoas trans, travestis e trans não binárias. Dessa forma, a Psicologia pode contribuir para a promoção da dignidade, inclusão e bem-estar de todas as pessoas”, afirma o texto.
Dessa forma, o CRP-PR, ciente de seu papel como autarquia pública e instância de orientação profissional, reafirma seu compromisso com a atuação nos espaços de controle social, promovendo o diálogo e a construção coletiva de políticas públicas que tenham como protagonistas as pessoas dissidentes de gênero. O CRP-PR alerta que normativas que dificultem o acesso a tecnologias de afirmação de gênero e que perpetuem percepções e práticas estigmatizantes têm impacto direto e grave sobre a saúde mental da população trans, aumentando o risco de sofrimento psíquico, depressão, ideias suicidas e vulnerabilização social – questões estas diretamente relacionadas à missão da Psicologia. Reiteramos que é atribuição ética da Psicologia apropriar-se criticamente desse debate, posicionar-se em defesa dos direitos humanos e contribuir ativamente para a promoção do bem-viver das populações trans, travestis e trans não binárias em todos os contextos em que a Psicologia se faz presente.
Leia mais
Para saber mais sobre o tema, recomendamos as seguintes leituras:
- Resolução CFP nº 001/2018, que estabelece normas para o atendimento a pessoas transexuais e travestis
- Nota Técnica CFP nº 11/2025, sobre a atuação de profissionais de Psicologia no atendimento às pessoas trans, travestis e trans não binárias.
Também recomendamos os seguintes livros:
- Crianças Trans: Infâncias possíveis, de Sofia Favero, Editora Devires, 2021
- Psicologia Suja, de Sofia Favero, Editora Devires, 2023
- Viagem Solitária, de João W. Nery, Editora Leya, 2011
- Velhice transviada, de João W. Nery, Editora Companhia das Letras, 2019
- Vidas Trans: A luta de transgêneros brasileiros em busca de seu espaço social, de Amara Moira, João W. Nery, Márcia Rocha e Tarso Brant, Editora Astral Cultural, 2022.