O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) repudia todas as iniciativas de financiamento e ampliação de práticas manicomiais e estigmatizantes, que encarceram e violam direitos, sobretudo das pessoas negras e pobres. Na última sexta-feira (25 de outubro), o governo do Estado do Paraná anunciou que irá repassar R$ 10 milhões, investimento que se pretende anual, para comunidades terapêuticas, instituições em sua maioria do âmbito privado. A alocação de recursos segue na contramão do fortalecimento de políticas públicas de cuidado às pessoas em sofrimento mental decorrente do uso abusivo de álcool e outras drogas.
É preciso ressaltar ainda que a questão vai além da oferta de recursos que serão destinados a instituições de cunho privado. É preciso considerar que as práticas desses espaços estão pautadas em aspectos superados pela ciência psicológica há muito: o isolamento como premissa, a abstinência como meta e a responsabilização individual como método, com a estigmatização das pessoas e do uso de substâncias, sobretudo de populações vulnerabilizadas como, por exemplo, as pessoas em situação de rua.
Durante o lançamento, realizado com festa e pompa, o governador do Estado, Ratinho Júnior, afirmou que “o Estado sozinho não consegue fazer tudo”. No entanto, fica evidente que, com a decisão, o governo sinaliza o repasse do que é uma obrigação do Estado – e, essencialmente, uma questão que deve ser avaliada a partir do contexto da saúde pública em atravessamento com outras políticas como a da assistência social – para o âmbito privado, paulatinamente substituindo equipamentos públicos por organizações que, em sua maioria, se pretendem lucrativas financeiramente e que buscam, muitas vezes, impor às pessoas usuárias desses serviços conceitos de determinados grupos religiosos.
É preciso reconhecer ainda que o uso de substâncias está presente em todas as classes sociais, países e momentos históricos, bem como analisar criticamente o que tem sido denominado e a que pessoas usuárias se refere a construção que caracteriza o termo “uso problemático”. Para além disso, também é necessário revisar o discurso que apresenta as comunidades terapêuticas como a única saída para a questão, leiloando vidas e corpos.
Denunciamos que não é correto ofertar esses serviços como se não houvesse alternativa adequada, utilizando o sofrimento como combustível para fins de acúmulo financeiro, religiosos e eleitorais, entre muitos outros. O cuidado em liberdade, comunitário e integral ofertado pelos equipamentos da Rede de Atenção Psicossocial, a RAPS, oferece a estratégia com melhor reconhecimento científico e resultado, ao não considerar o uso e a pessoa que usa a substância desvinculados do contexto social.
Defendemos a RAPS e o fortalecimento de repasses ao SUS nas três esferas (federal, estadual e municipal) para seus diferentes níveis: atenção primária, atenção secundária – com sustentação e fortalecimento dos Centro de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento decorrentes do uso abusivo de álcool e outras drogas nos CAPS AD III, articulados com as Unidades de Acolhimento Transitória – e atenção terciária.
O investimento público deve ser realizado em prol de uma política pública, mas não há qualidade de atenção à população sem condições dignas de trabalho. Por isso, defendemos que as políticas ampliem seus quadros com profissionais de Psicologia e demais pessoas trabalhadoras da equipe multiprofissional, preferencialmente contratadas por concurso público, com jornadas de até 30 horas e salários dignos, com espaço na jornada para que possam atuar em rede e em conjunto com outras políticas.
Por fim, avaliamos que não há uma iniciativa sincera de proposição de ações que mereçam o título de “cuidado em saúde mental relacionada ao álcool e outras drogas” sem o conjunto de ações já mencionados, sem políticas de redução de danos e que não garanta o absoluto respeito à autonomia e liberdade das pessoas, prescindindo em qualquer aspecto da defesa intransigente dos direitos humanos.
Manicômio nunca mais!