O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), seguindo sua já histórica trajetória em favor da saúde mental humanizada e da reforma psiquiátrica brasileira, lança neste mês mais uma campanha em alusão ao Dia Nacional da Luta Antimanicomial, celebrado em 18 de maio. Neste ano de 2023, o tema escolhido pelo grupo de trabalho, composto por pessoas diversas que atuam ativamente nesta área e trazem suas trajetórias para a luta coletiva, é Nós da Luta Antimanicomial no Paraná – 18m: vidas que (r)existem.
O texto de abertura é um convite a refletirmos sobre os nós que geram obstáculos ao que deveria ser uma rede fluida de atenção psicossocial, mas que, no Paraná, ao contrário do que foi operacionalizado em outras partes do Brasil, nomeia-se Linha Guia de Saúde Mental. Este conceito leva ao alto investimento para financiamento de leitos em hospitais psiquiátricos e aos “CAPS Híbridos” (a junção entre CAPS — Centros de Atenção Psicossocial — e CAPS Ad, de álcool e outras drogas), para citar alguns exemplos.
Às vésperas deste dia tão emblemático, porém, não poderíamos deixar de celebrar os nós como primeira pessoa do plural: pessoas que seguem existindo e resistindo, atuando a partir de seu trabalho cotidiano em prol de uma rede, de fato, de atenção psicossocial, em defesa do SUS e da lógica da atenção psicossocial, antiproibicionista e antirracista neste e em outros dias de luta.
Nós da Luta Antimanicomial no Paraná | 18m: vidas que (r)existem
O Estado do Paraná tem, entre suas particularidades, o fato de adotar a nomenclatura de Linha Guia de Saúde Mental para implantação das estratégias de atenção e cuidados oriundos da Reforma Psiquiátrica Brasileira, em vez da nomenclatura da Rede de Atenção Psicossocial, como acontece em todos os outros Estados da Federação. Poderia ser só uma questão de nomenclatura, mas, na seara da Psicologia, é comum e dever de ofício darmos a devida atenção às palavras e seus sentidos.
Para além de uma questão da briga histórica entre a implantação das políticas públicas em nível federal e em nível estadual (a dicotomia entre os partidos PT x PSDB que vigorava quando da ratificação da Portaria nº 3.088 de 2011), a existência da Linha Guia de Saúde Mental em vez de uma Rede de Atenção Psicossocial no Estado do Paraná aponta alguns descompassos importantes que se refletem, entre exemplos, no alto investimento para financiamento de leitos em hospitais psiquiátricos ou nos famigerados “CAPS Híbridos” (a junção entre CAPS — Centros de Atenção Psicossocial — e CAPS Ad, de álcool e outras drogas), que se alastram para além das terras curitibanas.
Observando por essa perspectiva, e considerando as singularidades do processo de colonização e “coronelização” voraz e vil do Estado do Paraná (com um processo de interiorização sanguinário e priorizando interesses do agronegócio e das grandes corporações), podemos afirmar que a Luta Antimanicomial por aqui enfrentou e ainda enfrenta dificuldades mais sólidas e “resistências” consolidadas dos setores conservadores ou os setores da chamada “indústria da loucura” (para valer-nos da expressão de Paulo Amarante ao se referir ao interesse de donos de hospitais e dos setores que arranjam saberes e práticas atrelados a esse viés biomédico sobre o sofrimento mental).
Não bastasse esse indicador, temos ainda no Estado do Paraná outras particularidades, que vão do fortalecimento das comunidades terapêuticas organizadas em associações e federações que, dessa forma, ocupam espaços significativos do controle social, passando também pela existência de CAPS que, muitas vezes, encontram dificuldades para se atrelar ao modelo da atenção psicossocial em oposição ao paradigma biomédico. Esse pode ser o caso de alguns CAPS como aqueles regidos por consórcios de municípios que, além de se caracterizarem como um modelo de administração terceirizada, partem de uma premissa de abrangência territorial no mínimo questionável, ou ainda da descaracterização deste equipamento em ambulatórios ou seus simulacros, como no caso dos “CAPS Híbridos”.
Fazer esse debate aqui no Paraná nunca foi fácil. Podemos, assim, afirmar que estes são alguns dos nós que há nessa linha que evidenciam o descompasso, o gap, a falta de sintonia com o modelo tentado a duras penas em outros Estados da Federação.
Para além da óbvia conotação de que a linha, para ser guia, precisa estar desprovida de nós, temos também uma outra evidência de análise que diz respeito ao peso, ao mérito, à envergadura das muitas resistências no campo da Luta Antimanicomial no Estado do Paraná ao longo das últimas décadas. Podemos assim dizer que a resistência por aqui “tem peso dois”, o que nos dá razão para prestar nosso tributo e admiração às diversas associações e coletivos de pessoas trabalhadoras, usuárias e familiares, aos diversos movimentos sociais e categorias profissionais que empunham a bandeira de uma Luta Antimanicomial que, de fato, não seja “maquiada” e consiga contundência e aliança com as práticas antiproibicionistas e antirracistas.
Nesse sentido, os “nós da Luta Antimanicomial do Paraná” servem a uma outra perspectiva de análise atrelada ao fortalecimento desta primeira pessoa do plural: quantos somos nós, onde estamos nós, onde nós estaremos em alguns anos, como nos vemos enquanto coletivos nesse processo histórico que, muitas vezes, aponta para a fragmentação e para a individualização das pessoas que nele atuam como uma estratégia sórdida de desmobilização e necropolítica — lembremos que esquizo, em grego, é um signo que pode ser traduzido exatamente por fragmentação e, portanto, reivindicar a primeira pessoa do plural implica combater as fragmentações da primeira pessoa do singular (“eu aqui” ou “eu ali”) que tanto interessa aos modos de subjetivação neoliberais.
Com a possibilidade da campanha idealizada pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) neste Dia da Luta Antimanicomial em 18 de maio, ou 18M, como já é conhecido, afirmamos a existência de “nós da luta antimanicomial no Paraná”; sim, há esses nós que existem, e precisam ser desatados, quando pensamos nos desafios ante o conservadorismo e o fascismo atrelados à “indústria da loucura”, ao mesmo tempo em que há esse outros nós: felizmente ainda existimos e resistimos, empunhando bandeiras e faixas que clamam por uma vida menos ordinária, no intuito de inventar e (r)existir ante a mecanismos sutis ou explícitos de desativação da vida (ou mecanismos necropolíticos) em curso.
Nós seguiremos lutando para continuar (r)existindo enquanto primeira pessoa do plural, e seguiremos tramando para que os nós na tal linha sejam pontos de confecção de uma rede, de fato, de atenção psicossocial, em defesa do SUS e da lógica da atenção psicossocial, antiproibicionista e antirracista neste e em outros dias de luta.