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“Minha saúde, meu direito”: o papel da Psicologia para a promoção do cuidado integral e equitativo

Em 07 de abril, celebra-se o Dia Mundial da Saúde e, anualmente, a Organização das Nações Unidas (ONU) estabelece um mote para a campanha. O tema escolhido para 2024 é “Minha saúde, meu direito”.

Marcar esta data em nosso calendário é importante para avaliar o percurso da saúde no Brasil. Não menos importante do que isso, é preciso compreender o que, de fato, é saúde e quais dos seus aspectos mais prementes são considerados na formulação e na prática de políticas públicas voltadas a esse direito.

Segundo a ONU, pelo menos 140 países reconhecem a saúde como um direito em suas respectivas constituições, e o Brasil é um deles. Indo ainda mais longe, o nosso país não apenas exerce tal reconhecimento expressamente, como também dispõe de uma abrangente estrutura de atendimento a todas as pessoas, brasileiras ou não, em território brasileiro: o Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar da sua complexidade e frentes de atuação, os objetivos do SUS são muito bem sintetizados pelo tema da campanha deste ano, já que a saúde é mesmo fundamental.

Ao falar sobre o tema, a psicóloga sanitarista Letícia Correa Trevizan (CRP-08/23958) destaca a relevância da Psicologia no Brasil. Ela lembra que apesar de a inserção da profissão na área da saúde ser recente – datando do início da década de 90 – , a partir da Reforma Sanitária e da consolidação do SUS, paralelamente à Reforma Psiquiátrica, com a ampliação das noções de saúde e a criação de equipamentos substitutivos, ampliaram-se as noções de saúde, com a incorporação de fatores ambientais, socioeconômicos e culturais. 

“O desafio de atuar em relação a esses determinantes”, afirma a profissional, “faz emergir a necessidade do trabalho interdisciplinar, com a proposta da complementação dos saberes para oferta de um cuidado integral em saúde”. Sendo assim, ela acredita que profissionais de Psicologia podem oferecer contribuições à equipe no sentido da compreensão do indivíduo, das famílias e da comunidade sempre de forma contextual. Segundo Letícia, especialmente na Atenção Básica, que opera na lógica territorial e tem função de ordenadora do cuidado, a categoria pode contribuir na construção de planos de cuidado e projetos terapêuticos que considerem a singularidade dos sujeitos, personalizando as estratégias e apoiando as equipes em educação permanente, com objetivo de qualificar a construção dos casos e fortalecer o acesso à saúde.

Não por acaso, as palavras da psicóloga ecoam o que a ONU entende e define como saúde: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afecções e enfermidades”. A promoção do acesso prático a esse direito pode ser encontrada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), onde a atuação da Psicologia deve estar alinhada ao “cuidado centrado na pessoa, não na doença, e na singularização da atenção”, segundo a profissional.

Citando o médico psiquiatra Paulo Amarante, Letícia diz que “não basta reduzir a Reforma Psiquiátrica ao fechamento dos manicômios; deve-se libertar o pensamento de uma racionalidade carcerária, de um olhar  ‘domador’ e segregador que profissionais exerceram durante anos atuando na lógica manicomial, e resgatar a escuta enquanto principal ferramenta de cuidado”. A psicóloga é veemente em suas ponderações ao dizer que, a partir da escuta, torna-se possível a construção de pontes com as demais políticas e com o território. 

Profissionais de Psicologia que atuam nas equipes de CAPS, com embasamento nos referenciais teóricos que sustentam a prática, defende a psicóloga, podem apoiar a clínica ampliada, uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização. “A ampliação da clínica, tendo a escuta como principal ferramenta, busca aumentar a autonomia da pessoa usuária, da família e da comunidade, fomentando na equipe a capacidade de apoio e não só o enfoque na cura das doenças”, afirma Letícia.

É preciso, entretanto, atentar-se à realidade que ainda nos cerca, já que ainda há muito a ser feito para que toda a população consiga acessar a saúde em sua completude. Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e especialista em Saúde da Família, Letícia aponta que os obstáculos para o acesso à saúde derivam principalmente do subfinanciamento do SUS, o que dificulta a implantação da Estratégia Saúde da Família (ESF) e a ampliação das equipes multidisciplinares. Em sua opinião, a formação em saúde está, hoje, distanciada da realidade sanitária brasileira, inclusive nas graduações da Psicologia. A psicóloga observa que “isso resulta, muitas vezes, em uma atuação profissional que somente transpõe o modelo clínico tradicional para a saúde coletiva, não atendendo as demandas e a contextualização necessárias”.

Há, ainda, as complexidades socioeconômica e cultural do Brasil, as quais impactam no acesso a um direito vital como a saúde. Por isso, Letícia menciona a importância de ações estratégicas para populações vulneráveis como as minorias étnicas, por exemplo. Além disso, ela alerta que fatores como raça, gênero e iniquidade social interferem de forma importante no acesso a na qualidade do acompanhamento em saúde, “levando a disparidades à prevenção e a sua promoção”.

Ao concluir sua análise, a psicóloga não demonstra dúvidas sobre as ações que podem transformar o mote da campanha deste ano – “Minha saúde, meu direito” – em uma realidade tangível para o Brasil.  “As estratégias para superação das barreiras vão desde o financiamento do SUS, com centralidade da Atenção Primária na Estratégia Saúde da Família (ESF), na descentralização e regionalização do SUS, na qualificação das equipes e ampliação das equipes multiprofissionais em direção ao cuidado integral e equitativo”, finaliza.

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