As ameaças aos povos indígenas brasileiros vêm ocupando a pauta de discussões há muitos anos – é possível dizer que nunca no Brasil os direitos dos povos originários foram plenamente respeitados, nem mesmo após a Constituição de 1988, que os prevê formalmente. Isso fica bastante evidente, por exemplo, na atual discussão sobre o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal, tese que visa à demarcação apenas de terras nas quais indígenas já viviam em 5 de outubro de 1988, contrariando seus direitos originários aos territórios.
No entanto, os interesses de determinados grupos econômicos e políticos vêm promovendo uma escalada sem precedentes nestes ataques – algo que especialistas já chamam de guerra aos povos indígenas. Desde meados de 2021, movimentações entre parlamentares e a própria Funai – órgão designado para proteger estas comunidades – estão mobilizando a sociedade civil para impedir mais um genocídio: o dos povos indígenas não contatados. Estima-se que haja no Brasil hoje 114 territórios possivelmente habitados por estes povos ditos isolados – ou, nas palavras da líder Sônia Guajajara, povos autônomos –, sendo 29 confirmados.
O indigenista Leonardo Lenin Santos, do Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (Opi), explica que expedições de sertanistas e indigenistas devem constantemente procurar indícios da presença de indígenas não contatados em uma região e, uma vez que haja evidências desta presença, a Funai deve expedir portarias de restrições de uso, que proíbem a entrada de qualquer pessoa não autorizada na área.
Atualmente sete áreas contam com portarias de restrição de uso. No entanto, estas portarias costumam ter validade de dois a três anos, período no qual novas expedições devem ser realizadas. Entre o final de 2021 e o início de 2022, quatro destas portarias tiveram suas validades expiradas: Piripkura (MT), Pirititi (RR), Ituna/Itatá (PA) e Jacareúba/Katawixi (AM). No caso desta última, a restrição não foi renovada; já as três primeiras, após intensa pressão da sociedade, ONGs e Ministério Público, foram renovadas, mas por apenas seis meses. Este tempo, segundo a antropóloga Priscilla Schwarzenholz, pesquisadora e ativista na Survival International, é insuficiente para expulsar invasores, efetuar um processo de demarcação e efetivamente proteger a região.
A defesa dos direitos humanos dos povos indígenas não contatados é urgente. Se nada for feito, o avanço do desmatamento e de atividades de mineração podem dizimar populações inteiras que dependem da floresta para viver à maneira como escolheram. A sociedade pode ajudar assinando a petição Isolados ou Dizimados ou mesmo enviando e-mails diretamente ao Presidente da Funai, ao Ministro da Justiça e aos líderes da Câmara e do Senado.
A Psicologia e os Povos Indígenas
O processo colonizador, que se iniciou em 1500 e se estende, ainda que repaginado, até os dias atuais, afeta sobremaneira os povos indígenas, que veem seus modos de vida ameaçados constantemente. O Psicólogo Jefferson Olivatto da Silva (CRP-08/01808), membro da Comissão Universidade para os Índios (CUIA-UEL) e da Comissão Étnico-Racial do CRP-PR, afirma em artigo publicado na Revista Contato Setembro/Outubro 2021 que “é preciso entender toda a dimensão do trauma psicossocial que significou e significa compormos uma sociedade que, ainda, fomenta a violência do processo colonial produzido pelas invasões europeias”.
O texto é um apanhado preciso dos principais pontos contidos nas Referências Técnicas para atuação de Psicólogas(os) junto aos povos indígenas – documento à época em consulta pública e agora em vias de ser publicado, ainda no primeiro semestre, pelo CREPOP – e traz o olhar único de um profissional experiente neste tema. Vale a leitura.
Outro material que vale a pena conferir é a entrevista com a Psicóloga Guarani Geni Núñez (CRP-12/21975), publicada na reportagem sobre gatilhos emocionais na Revista Contato de Novembro/Dezembro 2020. A Psicóloga foi convidada a falar sobre as feridas coletivas que impactam tão fortemente as populações indígenas. “Nós temos dito que a colonização não acabou. O Estado brasileiro é um Estado colonial, pois age para os interesses do lucro, do agronegócio e da manutenção das violências”, destacou a ativista. “A retirada das terras indígenas, a violência policial na cidade, que também é território indígena, tudo isso produz um sofrimento psicossocial, uma angústia. Nesse sentido não precisamos apenas de um acolhimento terapêutico individual, mas também de uma terapia para a cura da ferida colonial, pois daí que vem nossa dor coletiva”.
Estas percepções não são apenas teóricas e infelizmente se revelam no dia a dia das comunidades. Segundo a Assessoria Técnica em Políticas Públicas do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), uma das questões de maior preocupação no momento é o aumento no número de suicídios entre indígenas do povo Avá-Guarani, que vivem na região oeste do Paraná: foram 11 mortes e 18 tentativas de suicídio, a maioria de jovens até 20 anos, somente no primeiro semestre de 2021, segundo dados divulgados pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) e compartilhados pela Articulação dos povos indígenas do Brasil (Abip). As causas apontadas pelos grupos de trabalho e pelos ministérios públicos Federal e do Estado do Paraná são perda de território e de áreas para o plantio, o racismo, a pobreza e a falta de assistência social nas áreas de saúde e educação, que os colocam em situação de vulnerabilidade social.
Para saber mais:
Conheça a Articulação Brasileira dos(as) Indígenas Psicólogos(as) – Abipsi –, uma organização engajada na construção de uma Psicologia comprometida com os direitos e as singularidades destes muitos povos originários – uma Psicologia pintada de Jenipapo e Urucum, nas palavras da própria Abipsi. O Instagram da Articulação e @abipsi_
Para assistir: 17º EPP – Conferência “Já somos outros mundos possíveis onde cabem muitos mundos”, com Casé Angatu.