A ideia de Síndrome de Alienação Parental, que subsidia a Lei da Alienação Parental (Lei nº 12.318/2010), foi proposta por Richard Gardner na década de 1980. Para este autor, tal síndrome se caracteriza como um distúrbio infantil que se desenvolveria em crianças cujos pais se encontravam em litígio conjugal, e seria induzida pela(o) genitora ou genitor que detém a guarda da criança ou do adolescente. O autor justifica que, movidas(os) por vingança e outros sentimentos desencadeados com a separação do casal, estas(es) genitoras(es) induziriam os filhos a rejeitar ou mesmo odiar o outro genitor.
No Brasil, a Lei nº 12.318/2010 – conhecida Lei da Alienação Parental – foi promulgada em 26 de agosto de 2010 e, desde então, sua constitucionalidade, seus efeitos práticos sobre as vidas das pessoas e sobre a atuação da(o) Psicóloga(o) vêm sendo motivo de debates e controvérsias.
A lei afeta diretamente a atuação de profissionais da Psicologia
A Alienação Parental (AP) é um conceito sobre o qual não se tem consenso e nem evidência científica, isto é, até o momento, as pesquisas que foram feitas sobre a temática não foram capazes de estabelecer uma diferença entre alienação parental de outros conceitos como, por exemplo, o de violência psicológica. De acordo com a Lei nº 12.318/2010, que dispõe sobre a Alienação Parental, o conceito faz referência à “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Que condutas denotam alienação parental?
Segundo a Lei nº 12.318/2010, as seguintes ações são indicativos de alienação parental: “(1) realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; (2) dificultar o exercício da autoridade parental; (3) dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; (4) dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; (5) omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; (6) apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; (7) mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós”.
Impactos da lei no trabalho das(os) Psicólogas(os)
Por causar danos no relacionamento de crianças e adolescentes com suas(seus) genitoras(es), as(os) Psicólogas(os) possuem papel fundamental na avaliação desses casos — que são assunto recorrente em processos de disputa pela guarda de filhas(os) nas Varas de Família.
Para a Psicóloga Ana Lúcia Moura Henriques (CRP-08/28997) a lei é permeada de conceitos concernentes à Psicologia – entre eles, “interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente”, “exercício da maternidade ou paternidade”, “integridade psicológica da criança ou do adolescente”, “perícia psicológica”, “avaliação psicológica”, “avaliação da personalidade” e “acompanhamento psicológico” — e “portanto produz impacto na atuação das(os) Psicólogas(os)”, explica.
O impacto na atuação das(os) profissionais também aparece na forma de expectativa por parte de quem solicita a avaliação, sensação que Ana Lúcia descreve: “costumo observar que, na maioria das vezes, o pedido vem pronto, quase como uma ‘encomenda’, no sentido de que é preciso avaliar, apenas para que obtenham um resultado que eles já antecipam”.
A Psicóloga Angela Maria Zechim Luziano da Silva (CRP-08/19199) nota, de maneira similar, que a lei afeta negativamente o trabalho das(os) profissionais da Psicologia: “percebe-se a existência de algumas situações em que o processo de judicialização interfere na autonomia da(o) Psicóloga(o), fazendo com que a(o) profissional se sinta limitado ou até mesmo direcionado na execução das suas práticas”, comenta.
Para Ana Lúcia, que também é advogada, desde que a lei foi sancionada, o conceito foi apropriado por uma lógica de mercado como um produto e o fenômeno da AP gerou uma demanda para a Psicologia: “desde a promulgação da Lei de AP houve uma disseminação desse conceito entre os operadores do direito que acabam usando-o como “estratégia” nos processos e também por Psicólogas(os), que passaram a produzir documentos comprobatórios de alienação parental”, explica.
Alienação Parental e a falta de respaldo científico
“A Alienação Parental é apenas um conceito descritivo que ainda não alcançou o status de um construto psicológico, e que, portanto, não é reconhecido cientificamente”, explica Ana Lúcia, que se baseia nas classificações da Organização Mundial da Saúde (OMS) — que, por sua vez, não reconhece a Alienação Parental como distúrbio, transtorno ou categoria diagnóstica.
A falta de amparo científico também prejudica a averiguação desses casos. A dificuldade em avaliar se uma criança ou adolescente está em uma situação que se enquadra no conceito de AP demanda atenção redobrada por parte da(o) Psicóloga(o) que examina o caso.
Na visão de Rosali Terezinha Fedrigo (CRP-08/25754) – profissional credenciada pelo TJPR como perita psicológica – a falta de cientificidade para confirmar as alegações nos processos dificulta a atuação das(os) profissionais que analisam os casos. Segundo a Psicóloga, essa falta exige diferentes maneiras de avaliar os casos e “faz com que (a)o profissional de Psicologia busque indícios de conduta alienadora através de relatos verbalizados ou não de todas as pessoas envolvidas para avaliar a veracidade”, explica. Na análise desses casos, destaca-se, por exemplo, a atenção especial à linguagem que a criança utiliza ao falar sobre os pais – o que permite identificar se a maneira de se expressar condiz com a idade da criança ou se ela reproduz um discurso alheio.
Movimentos contrários à lei
No Brasil, há movimentos organizados que clamam pela revogação da lei por entenderem que o objetivo que deveria cumprir – a proteção da criança e/ou do adolescente – foi deturpado. Um dos movimentos mais ativos nessa causa é o coletivo Mães nas Lutas que alega, em seu site, que a aplicação da lei pelo judiciário tende a punir a mãe, constituindo assim uma violência institucional contra as mulheres — que, por vezes, sofrem com medidas como reversão da guarda, suspensão da autoridade parental e até perda do poder familiar.
A Lei de Alienação Parental (LAP) também divide opiniões no poder Legislativo. Entre os deputados e senadores, não há consenso e existe, hoje, um movimento, no Congresso, que pede a revogação da lei por entender que ela pode ser usada de maneira a subverter o que tenta assegurar.
O Projeto de Lei do Senado n° 498, de 2018, proposto após a CPI dos Maus Tratos, prevê a revogação da lei “por considerar que (a lei) tem propiciado o desvirtuamento do propósito protetivo da criança ou adolescente, submetendo-os a abusadores”. No entanto, a Senadora Leila Barros (PSB/DF) — relatora do projeto de lei — propôs, neste ano, um substitutivo a esse projeto, pedindo a correção de brechas da lei em vez de sua revogação. No site do Senado, é possível opinar sobre o projeto que, até o momento, possui mais opiniões favoráveis à revogação do que contra — no entanto, a vantagem é pequena, fato que reforça a falta de consenso em torno da lei.