Crise em saúde mental e Ideação Suicida
Trata-se de um fenômeno complexo e multicausal, de impacto individual e coletivo, que pode afetar indivíduos de diferentes origens, sexos, culturas, classes sociais e idades. Relaciona-se etiologicamente com uma gama de fatores que vão desde os de natureza sociológica, econômica, política, cultural, passando pelos psicológicos e psicopatológicos, até biológicos.
Dados da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2019) revelam que suicídios têm aumentado em todo o mundo, chegando a ocupar a terceira posição entre as principais causas de morte nas faixas etárias de 15 a 44 anos. O Brasil está entre os dez países que registram os maiores números absolutos de suicídios (BOTEGA, 2014). Segundo dados do Ministério da Saúde (MS, 2017), a taxa aumentou 12% entre 2011 e 2015, chegando a 5,7 óbitos por 100 mil habitantes, no Brasil, em 2015.
1. No atendimento a essas situações, para quais normativas devo me atentar?
Informamos que o Sistema Conselhos não possui normativas específicas para a atuação de Psicólogas e Psicólogos nesse contexto. Contudo, em se tratando de saúde mental, orienta-se o conhecimento da Lei no 10.216, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Ainda, diante dos casos em que há a tentativa de suicídio, a(o) Psicóloga(o) deverá considerar a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, que Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e também deverá proceder conforme estipula a Portaria nº 1.271, de 6 de junho de 2014, que define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional.
2. Quais são os cuidados éticos e reflexões básicas para essa atuação?
Diversos são os cuidados técnicos e éticos que perpassam por essa atuação profissional, dentre os quais destacam-se:
Qualquer nova demanda recebida por uma(um) Psicóloga(o) deverá ser avaliada com a finalidade de identificar a capacitação pessoal, teórica e técnica da(o) profissional para atendê-la com qualidade. É importante lembrar que a graduação em Psicologia é generalista, na medida em que capacita a(o) Psicóloga(o) para atuar em qualquer área da Psicologia. Assim, caberá (à)ao profissional refletir sobre a sua capacitação para a oferta de um serviço psicológico com qualidade, e buscar capacitação contínua e supervisão técnica sempre que necessário.
Outro aspecto a ser observado remete à garantia dos direitos e a proteção das pessoas, como: receber um tratamento com humanidade e respeito, sem discriminação, negligência, exploração, violência, crueldade e opressão, em local adequado à prestação de serviço psicológico, que preserve o sigilo e a intimidade das pessoas, protegido contra qualquer abuso, exploração ou induções de convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, tal como aponta o Código de Ética da profissão (CEPP), Resolução CFP nº 010/2005, em seus artigos e Princípios Fundamentais:
I. O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
II. O psicólogo trabalhará visando promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades e contribuirá para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Art. 1º – São deveres fundamentais dos psicólogos:
c. Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional.
e. Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
Art. 2º – à(ao) Psicóloga(o) é vedado:
a) Praticar ou ser conivente com quaisquer atos que caracterizem negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão;
b) Induzir a convicções políticas, filosóficas, morais, ideológicas, religiosas, de orientação sexual ou a qualquer tipo de preconceito, quando do exercício de suas funções profissionais;
c) Utilizar ou favorecer o uso de conhecimento e a utilização de práticas psicológicas como instrumentos de castigo, tortura ou qualquer forma de violência;
e) Ser conivente com erros, faltas éticas, violação de direitos, crimes ou contravenções penais praticados por psicólogos na prestação de serviços profissionais.
Art. 9º – É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 – Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo Único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.
Ressalta-se o dever profissional de analisar crítica e historicamente a realidade e o contexto nos quais o atendimento psicológico ocorre, conhecer a rede de apoio da pessoa atendida, os equipamentos e fluxos construídos no município, e posicionar-se ética e tecnicamente em sua atuação.
Por fim, considerando demandas de alta complexidade e a multideterminação do ser humano, a COF destaca que a abordagem multidisciplinar deve ser preferencialmente adotada, trazendo benefícios para a conduta terapêutica por meio do compartilhamento de saberes, responsabilidades e intervenções. Para isso, as atividades e fundamentação de cada profissão devem ser respeitadas, além de ser fomentada a comunicação entre as partes. Ainda, orientamos a busca de supervisão técnica como instrumento de capacitação contínua.
Conforme aponta o Código de Ética Profissional da(o) Psicóloga(o):
Art. 1º São deveres fundamentais dos psicólogos:
j) Ter, para com o trabalho dos psicólogos e de outros profissionais, respeito, consideração e solidariedade, e, quando solicitado, colaborar com estes, salvo impedimento por motivo relevante.
Art. 7º O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, nas seguintes situações:
a. A pedido do profissional responsável pelo serviço;
b. Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional;
c. Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço;
d. Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada.
Art. 12 Nos documentos que embasam as atividades em equipe multiprofissional, o psicólogo registrará apenas as informações necessárias para o cumprimento dos objetivos do trabalho
É importante que a(o) Psicóloga(o) mantenha seus registros documentais atualizados e organizados, nos quais devem constar os procedimentos adotados, encaminhamentos e orientações fornecidas à(ao) paciente, conforme define a Resolução CFP nº 001/2009. Caso o trabalho seja desenvolvido em equipe multidisciplinar, caberá a evolução das informações em prontuário único:
Art. 6º Quando em serviço multiprofissional, o registro deve ser realizado em prontuário único.
Parágrafo único. Devem ser registradas apenas as informações necessárias ao cumprimento dos objetivos do trabalho.
Para mais informações sobre o tema, acesse o tópico Registro documental e prontuário.
No caso de ser solicitado um documento psicológico decorrente do serviço prestado, reitera-se o dever de seguir a Resolução CFP nº 006/2019, que institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) Psicóloga(o). Ressalta-se que as informações e orientações fornecidas no documento devem ser coerentes com a natureza do serviço e possuir fundamentação técnica.
Para mais informações, acesse o tópico Documentos psicológicos.
3. O que devo saber sobre a internação de um(a) paciente?
Conforme Lei 10.216/2001, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental:
Art. 4o A internação, em qualquer de suas modalidades, só será indicada quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes.
§ 1o O tratamento visará, como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio.
§ 2o O tratamento em regime de internação será estruturado de forma a oferecer assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
§ 3o É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados no § 2o e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo único do art. 2o.
Art. 6o A internação psiquiátrica somente será realizada mediante laudo médico circunstanciado que caracterize os seus motivos.
Parágrafo único. São considerados os seguintes tipos de internação psiquiátrica:
I. Internação voluntária: aquela que se dá com o consentimento do usuário;
II. Internação involuntária: aquela que se dá sem o consentimento do usuário e a pedido de terceiro; e
III. Internação compulsória: aquela determinada pela Justiça.
Cabe destacar que a internação voluntária e involuntária somente podem ser autorizadas por médico devidamente registrado no Conselho Regional de Medicina (CRM) do Estado onde se localize o estabelecimento. A internação compulsória, por sua vez, é determinada pelo juiz competente, que levará em conta as condições de segurança do estabelecimento quanto à salvaguarda da(o) paciente, das(os) demais internadas(os) e funcionárias(os).
4. Minha/Meu paciente apresenta ideação suicida. O que devo fazer?
Inicialmente, cabe à(ao) Psicóloga(o) refletir sobre sua capacitação para atender a demanda recebida. Caso a(o) profissional não esteja capacitada(o) pessoal, teórica ou tecnicamente para atender essa demanda, então deverá encaminhá-la a profissionais ou órgãos qualificados, conforme dispõe o Código de Ética do Psicólogo:
Art. 1º São deveres fundamentais dos psicólogos:
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional; […]
k) Sugerir serviços de outros psicólogos, sempre que, por motivos justificáveis, não puderem ser continuados pelo profissional que os assumiu inicialmente, fornecendo ao seu substituto as informações necessárias à continuidade do trabalho;
Art. 6º O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:
a)Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapolem seu campo de atuação;
b) Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.
Caso a(o) profissional compreenda que possui capacitação e assuma o atendimento, evidenciamos a autonomia e responsabilidade profissional de analisar caso a caso o contexto e, assim, fundamentar e definir as ações cabíveis, conforme estabelece a Nota Técnica CRP-PR 005-2018, que orienta sobre autonomia profissional.
Considerando, ainda, a alta complexidade dessas demandas, a COF orienta que a(o) Psicóloga(o) realize supervisão técnica com profissional experiente na área a fim de obter auxílio na avaliação quanto a possíveis estratégias de cuidado e manejo para com a(o) usuária(o) atendida(o). A Comissão também orienta que sejam averiguados quais os órgãos disponíveis no município que podem prestar o acompanhamento a usuárias(os) em situação de crise em saúde mental, como os Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) ou demais instituições habilitadas a lidar com essa demanda, avaliando em conjunto com a(o) usuária(o) se é o caso de realizar tal encaminhamento. Para auxílio, recomendamos acesso ao Caderno de Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação.
É fundamental ter conhecimento prévio de como funcionam os fluxos de atendimento da Rede de Atenção Psicossocial do território da(o) paciente/cliente, reconhecendo as estratégias que podem ser acionadas no contexto de crise e em situação de urgência/emergência. Vale lembrar que a Rede de Atenção Psicossocial não comporta apenas equipamentos diretamente ligados ao atendimento em saúde mental, mas também envolve dispositivos da Rede de Atenção Básica, como unidades de saúde, e atenção especializada de média e alta complexidade, como Unidades de Pronto Atendimento e hospitais gerais.
A disponibilização de canais de ajuda 24 horas também é uma possibilidade para que a pessoa possa ter suporte em momentos críticos. Algumas(uns) profissionais se disponibilizam a prestar esse atendimento emergencial por telefone, mas também é possível oferecer outros canais, como pronto atendimentos e Centro de Valorização da Vida (CVV).
Dependendo do risco no qual a(o) paciente se encontra e a análise técnica da(o) profissional, é possível que outros serviços sejam acionados, ou que a família e/ou rede de apoio sejam envolvidas, levando à quebra do sigilo. Como o sigilo faz parte do trabalho psicológico, a sua quebra é excepcional, por isso, não é tarefa fácil, não existindo respostas prontas e/ou padronizadas.
Para maiores informações, acesse o tópico Quebra de sigilo.
A(O) Psicóloga(o) deve avaliar cada caso considerando, inclusive, as possíveis consequências na vida do paciente e de terceiros, e no andamento do trabalho psicológico, que poderão advir da quebra (ou manutenção) do sigilo. Evidencia-se que a quebra deve ser fundamentada no menor prejuízo, conforme dispõe o Código de Ética do Psicólogo:
Art. 9º É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.
Reiteramos que a decisão pela quebra ou manutenção do sigilo cabe à(ao) Psicóloga(o) e, diante de dúvidas, recomendamos que a(o) profissional realize supervisão técnica para auxílio diante dessas decisões.
Aconselhamos a leitura da Nota Técnica nº 002/2019 publicada pelo CRP-09, que orienta as(os) Psicólogas(os) sobre prevenção e manejo do comportamento suicida.
Ainda, diante do dever de efetuar o registro documental e guardá-lo em condições que garantam o sigilo das informações, indicamos a leitura do tópico Registro documental e prontuário. Evidencia-se que, conforme Resoluções CFP nº 001/2009 e CFP nº 006/2019, o período mínimo de guarda dos documentos é de 5 (cinco) anos, podendo ser ampliado por outras normativas e legislações, como por exemplo o Prontuário, que deve ser armazenado por um período mínimo de 20 anos.
5. Meu paciente realizou uma tentativa de suicidio, como devo proceder?
Além do manejo técnico, que fica sob responsabilidade da(o) profissional, em consonância com sua autonomia, é importante conhecer a Portaria nº 1.271/2014, que define a lista de notificação compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional. A tentativa de suicídio deve ser notificada ao Ministério da Saúde.
A notificação, nesse caso, possui objetivo epidemiológico, não se configurando como quebra de sigilo. Para obter mais informações sobre os fluxos do municípios, procedimentos e forma de envio da ficha, recomendamos contato com a Secretaria Municipal de Saúde. Em complemento, indicamos o acesso ao site do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que também dispõe de informações a respeito.
A Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, que Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, dispõe que:
Art. 6º Os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada são de notificação compulsória pelos:
I. estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias;
II. estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência autoprovocada:
I. O suicídio consumado;
II. A tentativa de suicídio;
III. O ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.
Observa-se que a notificação compulsória é demandada dos estabelecimentos de saúde públicos e privados, e abrange não apenas o suicídio consumado, mas a tentativa e ideação de suicídio, bem como o ato de automutilação. Reforçamos que essa notificação tem caráter sigiloso, de forma que as autoridades que tenham recebido a notificação ficam obrigadas a manter sigilo.
Em complemento ao preenchimento da notificação compulsória, evidencia-se a autonomia e responsabilidade da(o) Psicóloga(o) em manejar a situação e proceder com os encaminhamentos que entender cabíveis, devendo manter seu registro documental atualizado e organizado.
A COF orienta que a(o) Psicóloga(o) realize supervisão técnica com profissional experiente na área a fim de obter auxílio na avaliação de possíveis estratégias de cuidado e manejo para com a(o) usuária(o) atendida(o). A comissão indica, ainda, que sejam averiguados quais órgãos disponíveis no município podem prestar acompanhamento a usuárias(os) em situação de crise em saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) ou demais instituições habilitadas a lidar com essa demanda. A avaliação acerca desse encaminhamento deve ser realizada em conjunto com a(o) usuária(o).
Para auxílio, recomendamos acesso ao Caderno de Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação.
6. Fiz o encaminhamento da(o) minha(meu) paciente a outra(o) profissional e/ou órgão de saúde, mas ela(e) não quer ir. O que fazer?
A atuação multidisciplinar para promoção da saúde se apresenta como uma forma de qualificar o serviço e compartilhar as responsabilidades no cuidado de pessoas vulneráveis ao suicídio. Essa corresponsabilização é de extrema importância justamente pelo fato de que o trabalho de uma área de conhecimento pode não ser suficiente.
A equipe e rede de atenção psicossocial do município ou outras(os) profissionais e instituições podem ser acionados, no entanto, ainda assim caberá à(ao) paciente concordar com o acompanhamento de outras(os) profissionais e/ou equipes, sendo importante a análise e manejo técnico da(o) Psicóloga(o) para envolver a(o) usuária(o) do serviço nesta decisão.
Nesse sentido, é dever das(os) profissionais ofertar serviços que assegurem os direitos das pessoas, entretanto, não é possível obrigar a(o) usuária(o) a realizá-lo. Trazemos a Constituição Federal de 1988, nos Direitos e Deveres individuais e coletivos:
5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;
Em consonância com o exposto, o Código de Ética Profissional define:
Art. 1º São deveres fundamentais dos psicólogos:
e. Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
Art. 2º Ao psicólogo é vedado:
i. Induzir qualquer pessoa ou organização a recorrer a seus serviços;
A Comissão de Orientação e Fiscalização orienta que todas as tentativas de oferta de serviços psicológicos devem ser registradas em prontuário, conforme estabelece a Resolução CFP nº 001/2009. Ainda, ressalta-se a importância da supervisão técnica com profissional experiente na área, a fim de obter auxílio na avaliação quanto às estratégias de cuidado e manejo para com a(o) usuária(o) atendida(o), bem como verificar a possibilidade de acionar outros órgãos ou profissionais.
7. É possível manter os atendimentos após o encaminhamento da(o) usuária(o) em situação de crise em saúde mental a outros(as) profissionais e/ou entidades habilitadas?
O manejo clínico em relação à manutenção do vínculo de atendimento psicológico deve considerar as peculiaridades do caso e visar à garantia de direitos da pessoa atendida. Além disso, os atendimentos devem estar compatíveis as suas necessidades, de modo que a(o) atendida(o) não fique desassistida(o).
Para mais informações sobre o tema, acesse Vínculo pessoal ou profissional com a(o) usuária(o).
Também ressaltamos a importância de a(o) Psicóloga(o) refletir sobre sua capacitação para atender o caso, conforme indica o Código de Ética do Psicólogo:
Art. 1º São deveres fundamentais dos psicólogos:
b) Assumir responsabilidades profissionais somente por atividades para as quais esteja capacitado pessoal, teórica e tecnicamente;
c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;
e) Estabelecer acordos de prestação de serviços que respeitem os direitos do usuário ou beneficiário de serviços de Psicologia;
Art. 2º Ao psicólogo é vedado:
j) Estabelecer com a pessoa atendida, familiar ou terceiro, que tenha vínculo com o atendido, relação que possa interferir negativamente nos objetivos do serviço prestado;
Considerando o acompanhamento do caso por outra(o) profissional e/ou equipe de saúde, destaca-se também o exposto no art. 7º do Código de Ética do Psicólogo:
Art. 7º O psicólogo poderá intervir na prestação de serviços psicológicos que estejam sendo efetuados por outro profissional, nas seguintes situações:
a) A pedido do profissional responsável pelo serviço;
b) Em caso de emergência ou risco ao beneficiário ou usuário do serviço, quando dará imediata ciência ao profissional;
c) Quando informado expressamente, por qualquer uma das partes, da interrupção voluntária e definitiva do serviço;
d) Quando se tratar de trabalho multiprofissional e a intervenção fizer parte da metodologia adotada
Desta forma, percebe-se que pode haver a necessidade de um(a) mesma(o) usuária(o) ser atendida(o) por duas equipes/profissionais diferentes, visando ao trabalho multiprofissional e complementar. Cada Psicóloga(o) deve avaliar a demanda e se posicionar técnica e eticamente sobre as possibilidades e limites desta metodologia, refletindo se a continuidade das duas prestações de serviço são complementares ou contrastantes, benéficas ou prejudiciais para a(o) usuária(o) do serviço.
8. Quais são as orientações no caso do atendimento de crianças e adolescentes com ideação suicida ou em situação de crise em saúde mental?
Inicialmente, tratando-se do atendimento a crianças e adolescentes, faz-se necessário obter a autorização de ao menos um(a) das(os) responsáveis legais para a prestação de serviços continuados, conforme Art. 8º do Código de Ética Profissional do Psicólogo:
Art. 8º Para realizar atendimento não eventual de criança, adolescente ou interdito, o psicólogo deverá obter autorização de ao menos um de seus responsáveis, observadas as determinações da legislação vigente:
§ 1° – No caso de não se apresentar um responsável legal, o atendimento deverá ser efetuado e comunicado às autoridades competentes;
§ 2° – O psicólogo responsabilizar-se-á pelos encaminhamentos que se fizerem necessários para garantir a proteção integral do atendimento.
Desta forma, as(os) responsáveis legais pela criança/adolescente são pessoas que têm o direito de receber informações referente ao trabalho a ser desenvolvido e seus objetivos, bem como aos resultados decorrentes das atividades. Ainda assim, a(o) Psicóloga(o) deve analisar quais informações são pertinentes de serem transmitidas, bem como manejar tecnicamente o caso. Conforme estabelecido pelo Código de Ética do Psicólogo:
Art. 1° São deveres fundamentais dos psicólogos:
f) Fornecer, a quem de direito, na prestação de serviços psicológicos, informações concernentes ao trabalho a ser realizado e ao seu objetivo profissional;
g) Informar, a quem de direito, os resultados decorrentes da prestação de serviços psicológicos, transmitindo somente o que for necessário para a tomada de decisões que afetem o usuário ou beneficiário;
h) Orientar a quem de direito sobre os encaminhamentos apropriados, a partir da prestação de serviços psicológicos, e fornecer, sempre que solicitado, os documentos pertinentes ao bom termo do trabalho;
Art. 9º É dever do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger, por meio da confidencialidade, a intimidade das pessoas, grupos ou organizações, a que tenha acesso no exercício profissional.
Art. 10 Nas situações em que se configure conflito entre as exigências decorrentes do disposto no Art. 9º e as afirmações dos princípios fundamentais deste Código, excetuando-se os casos previstos em lei, o psicólogo poderá decidir pela quebra de sigilo, baseando sua decisão na busca do menor prejuízo.
Parágrafo único – Em caso de quebra do sigilo previsto no caput deste artigo, o psicólogo deverá restringir-se a prestar as informações estritamente necessárias.
Art. 13 No atendimento à criança, ao adolescente ou ao interdito, deve ser comunicado aos responsáveis o estritamente essencial para se promoverem medidas em seu benefício.
Recomendamos que a avaliação sobre a manutenção do sigilo e a quebra dele sejam trabalhadas em supervisão técnica. É importante, ainda, que a(o) profissional mantenha seus registros documentais atualizados, organizados e em segurança, conforme define a Resolução CFP nº 001/2009.
A(O) profissional precisa estar capacitada(o) pessoal, teórica e tecnicamente para atender à demanda recebida, caso contrário, deverá encaminhar a órgão ou profissional capacitado. Conforme Código de Ética profissional:
Art. 6º O psicólogo, no relacionamento com profissionais não psicólogos:
a) Encaminhará a profissionais ou entidades habilitados e qualificados demandas que extrapolem seu campo de atuação;
b) Compartilhará somente informações relevantes para qualificar o serviço prestado, resguardando o caráter confidencial das comunicações, assinalando a responsabilidade, de quem as receber, de preservar o sigilo.
Considerando a alta complexidade dessas demandas, orienta-se que a(o) Psicóloga(o) realize supervisão técnica com profissional experiente na área, a fim de obter auxílio na avaliação de possíveis estratégias de cuidado e manejo para com a(o) usuária(o) atendida(o). Também é necessário que sejam averguados quais órgãos disponíveis no município podem prestar o acompanhamento à criança/adolescente em situação de crise em saúde mental, como os Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CAPSi) ou demais instituições habilitadas a lidar com essa demanda, avaliando-se em conjunto com a(o) usuária(o) se é o caso de realizar esse encaminhamento.
Caso haja suspeita ou confirmação de violência autoprovocada, conforme estabelece a Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019, que Institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, será necessário realizar a notificação compulsória observando o que segue:
Art. 6º Os casos suspeitos ou confirmados de violência autoprovocada são de notificação compulsória pelos:
I. estabelecimentos de saúde públicos e privados às autoridades sanitárias;
II. estabelecimentos de ensino públicos e privados ao conselho tutelar.
§ 1º Para os efeitos desta Lei, entende-se por violência autoprovocada:
I. o suicídio consumado;
II. a tentativa de suicídio;
III. o ato de automutilação, com ou sem ideação suicida.
§ 2º Nos casos que envolverem criança ou adolescente, o conselho tutelar deverá receber a notificação de que trata o inciso I do caput deste artigo, nos termos de regulamento.
§ 3º A notificação compulsória prevista no caput deste artigo tem caráter sigiloso, e as autoridades que a tenham recebido ficam obrigadas a manter o sigilo. […]
§ 6º Regulamento disciplinará a forma de comunicação entre o conselho tutelar e a autoridade sanitária, de forma a integrar suas ações nessa área.
Caso a(o) Psicóloga(o) se depare com situação envolvendo não a violência autoprovocada, mas sim outras formas de violências contra uma criança ou adolescente, destacamos o disposto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069/90:
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 13 Os casos de suspeita ou confirmação de castigo físico, de tratamento cruel ou degradante e de maus-tratos contra criança ou adolescente serão obrigatoriamente comunicados ao Conselho Tutelar da respectiva localidade, sem prejuízo de outras providências legais. (Redação dada pela Lei nº 13.010, de 2014)
Para mais informações sobre criança/adolescente que pode estar sob violação de direitos, acesse o Guia de Orientação –Quebra de Sigilo.
9. Profissionais da Psicologia possuem obrigação legal de informar sobre a prestação de serviços psicológicos em casos de óbito das pessoas atendidas?
Para mais informações, acesse o tópico Quebra de Sigilo
Leis e Normativas
- Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 – dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências
- Lei nº 216, de 6 de abril de 2001 – dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental
- Portaria nº 1.271, de 6 de junho de 2014 – define a Lista Nacional de Notificação Compulsória de doenças, agravos e eventos de saúde pública nos serviços de saúde públicos e privados em todo o território nacional, nos termos do anexo, e dá outras providências
- Lei nº 13.819, de 26 de abril de 2019 – institui a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio, a ser implementada pela União, em cooperação com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; e altera a Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998
- Resolução CFP nº 010/2005 – aprova o Código de Ética Profissional do Psicólogo
- Resoluções CFP nº 001/2009 – dispõe sobre a obrigatoriedade do registro documental decorrente da prestação de serviços psicológicos
- Resolução CFP n° 006/2019 – institui regras para a elaboração de documentos escritos produzidos pela(o) psicóloga(o) no exercício profissional e revoga a Resolução CFP nº 15/1996, a Resolução CFP nº 07/2003 e a Resolução CFP nº 04/2019
Referências, Notas Técnicas e outros documentos:
- Nota Técnica CRP-PR 005-2018 – orienta as(os) Psicólogas(os) sobre a autonomia profissional
- Nota Técnica nº 002/2019 – orienta as(os) Psicólogas(os) sobre prevenção e manejo do comportamento suicida
- Caderno do CFP sobre Suicídios e os Desafios para a Psicologia
- Prevenção do Suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde mental. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Organização Pan-Americana de Saúde, Unicamp.
- Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos Não Transmissíveis e Promoção da Saúde: Viva: instrutivo notificação de violência interpessoal e autoprovocada. 2. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
- Evento CFP – Prevenção ao Suicídio: desafios para a Psicologia e a saúde pública
- Mesa redonda “Meu/minha paciente quer cometer suicídio. E agora?”, promovida pelo CRP-PR
- Caderno de Orientação CRP-DF : Orientações para a atuação profissional frente a situações de suicídio e automutilação
- Revista Contato, CRP-PR, Ed. 131: Coluna COF – página 27.
- BOTEGA, N. J. Comportamento suicida: epidemiologia. Psicol USP, v. 25, n. 3, p. 231-236, 2014.
- MS – Ministério da Saúde. Perfil epidemiológico das tentativas e óbitos por suicídio no Brasil e a rede de atenção à saúde. Boletim Epidemiológico, v. 48, n. 30, p. 1-14, 2017.
- Suicide in the World: global health estimates. Genebra: Organização Mundial da Saúde, 2019.
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