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Notícia

Entidades se manifestam a favor dos direitos de crianças trans e contra projetos de lei transfóbicos

O Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) emitiu parecer contrário ao Projeto de Lei nº 185/2021, de autoria da vereadora Jessica Ramos Moreno e em tramitação da Câmara de Vereadores de Londrina-PR, que tem por objetivo vedar publicidades direcionadas a crianças e adolescentes que façam menção a gênero, orientação e diversidade sexuais. A justificativa apresentada se embasa em conceitos pseudocientíficos e equivocados sobre gênero e sexualidade para argumentar que crianças e adolescentes seriam especialmente vulneráveis a “publicidade abusiva” e que a disforia de gênero estaria sendo banalizada.

A matéria, atualmente na Comissão de Defesa dos Direitos do Nascituro, da Criança, do Adolescente e da Juventude da Câmara Municipal de Londrina, foi remetida a diversas entidades, entre elas o Conselho Regional de Psicologia, para apreciação. Por meio de suas comissões e núcleos pertinentes, a instituição avaliou que o projeto é genérico e a justificativa, ao fazer uso de dados falsos e de instituições não confiáveis, é equivocada, imprecisa, frágil e tendenciosa, além de transfóbica – o que configura crime comparável ao racismo, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal. 

Desta forma, o projeto de lei se apropria de conceitos cientificamente comprovados de forma distorcida, induzindo à falsa ideia de que o mero reconhecimento das existências LGBTQIAPN+ induziria algum mal às infâncias e adolescências. Ao contrário, a educação sobre a diversidade sexual e de gênero na infância e adolescência contribui para a transformação social, para o desenvolvimento de um mundo no qual os direitos humanos são respeitados e as diferenças são incluídas com equidade e respeito.  

O caso não é isolado. Outros projetos de lei já tentaram, em diferentes momentos, barrar menções à suposta “ideologia de gênero” na mídia ou em escolas. Um exemplo recente é a audiência pública convocada pelo Deputado Estadual Ricardo Arruda (PL/PR) no último dia 10 de julho na Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, com o tema “Graves consequências do ensino da ideologia de gênero nas escolas do Paraná”. Vale lembrar, conforme posicionamentos previamente publicados, que conceitos como “ideologia de gênero” e “escola sem partido” não encontram respaldo na ciência, sendo usados como artifícios de alguns setores moralistas da sociedade para reprimir o direito de crianças e adolescentes ao conhecimento, à plena educação, saúde integral, cidadania e ao livre pensamento e expressão de ideais, bem como à convivência com a diversidade humana.

Direito a se expressar livremente

Diante de críticas à presença de crianças e adolescentes durante a Parada do Orgulho LGBT+ que aconteceu em São Paulo no dia 11 de julho, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos divulgou uma nota reafirmando a “necessidade de aperfeiçoamento das políticas públicas para realizar os direitos das crianças e adolescentes nessa condição, ampliar o respeito e enfrentar o preconceito sofrido por esses sujeitos de direitos e suas famílias.”

O órgão destacou que projetos de lei que visam a barrar a presença de crianças e adolescentes em manifestações políticas ou seu acesso à saúde ferem o Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual assegura o direito deste público a se expressar livremente. “O direito de os pais educarem seus filhos conforme suas convicções morais e religiosas preconizado pelo Pacto de San José da Costa Rica deve ser interpretado à luz do Estado Democrático de Direito, calcado na laicidade e universalidade dos direitos sociais e políticos”, complementa a nota pública.

Saúde de crianças e adolescentes trans

A expressão de gênero destoante do atribuído no nascimento – algo que não está atrelado à sexualidade, a ser desenvolvida mais tarde, tanto em pessoas cis como transgênero – pode se manifestar ainda em tenra idade. A transição de gênero em crianças é, em um primeiro momento, social, incluindo a mudança de roupas, cabelo, nome e pronomes. Não existe hormonização para essa faixa etária, processo apenas permitido aos 16 anos, segundo a Resolução nº 2.265/2019 do Conselho Federal de Medicina. Já cirurgias só são permitidas a pessoas com mais de 18 anos de idade. 

O que acontece antes disso é o bloqueio da puberdade, ou seja, um procedimento que impede características secundárias de gênero tidas como femininas, como mamas, e tidas como masculinas, como pêlos e voz mais grave, de se desenvolverem. O bloqueio, feito com acompanhamento multiprofissional em ambulatórios especializados, é totalmente reversível e traz riscos bastante reduzidos. Em contrapartida, os ganhos em saúde mental são significativos, dando mais tempo para que a criança ou adolescente amadureça sua identidade. 

Para se aprofundar ainda mais neste tema, a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) divulgou, em junho, a Nota Técnica sobre Acesso à Saúde de Crianças Trans: do modelo transpatologizante ao cuidado transespecífico. O documento, que objetiva orientar familiares, profissionais de saúde e comunidade escolar sobre o acompanhamento de crianças trans em circuitos de cuidado, destaca a dificuldade que este público costuma encontrar ao buscar atenção adequada às suas questões de saúde.

Ao lembrar que crianças trans são diversas em suas subjetividades, a nota salienta ainda que profissionais psi devem contribuir para a desconstrução de padrões sociais e a “aparente normalidade” da cisheteronormativdade – sistema que privilegia pessoas que se identificam com o gênero atribuído no nascimento e sentem atração sexual pelo gênero oposto – além da prioridade de combater os assédios contra crianças e adolescentes trans. O documento afirma ainda que crianças trans precisam ser compreendidas em suas complexidades, contradições e heterogeneidades, sendo que o conceito médico de diagnóstico não se aplica às identidades de gênero, uma vez que é uma ideia patologizante.

Assim, profissionais da saúde deven acolher familiares e crianças sem recorrer a roteiros pré-estabelecidos que deslegitimam as subjetividades, além de informar e se articular com outras políticas públicas para criar mecanismos de enfrentamento da transfobia, ressalta a nota. Por fim, caso um documento precise ser produzido, a orientação da Antra é para que profissionais ressaltem “a história de vida da criança […] desde uma perspectiva ligada aos direitos humanos”. A nota conclui dizendo que boas práticas em saúde são aquelas comprometidas com a coprodução de sentidos sobre o corpo. “O que crianças trans podem esperar de uma saúde implicada e engajada com a diferença, afinal, é que esta produza ações coletivas e caminhos mais salubres para o laço social.”

O uso de bloqueadores hormonais em crianças e adolescentes é irreversível?

Não. De acordo com revisão de literatura publicada pela revista científica Child and Adolescent Mental Health*, o processo de bloqueio das transformações da puberdade é seguro e totalmente reversível. A prática traz benefícios à saúde mental, com redução da ansiedade, depressão e menor risco de ideação suicida. No geral, políticas afirmativas de respeito às identidades de gênero se refletem em melhor funcionamento afetivo, psicológico e sociabilidade.

A exposição à publicidade que faz menção a gênero e sexualidade leva à erotização infantil?

Não. O argumento de que exposição a qualquer conteúdo sobre diversidade sexual e de gênero seria um processo de erotização precoce de crianças e adolescentes é falho na medida em que, se assim fosse, a própria cisgeneridade – processo que naturaliza a relação entre corpo e gênero, como se fosse “natural” que as pessoas cujos corpos têm pênis se identifiquem como homens, e as pessoas cujos corpos têm vulva se identifiquem como mulheres, e não o que de fato é: um processo sociocultural de aprendizagem continuamente reforçada – e heterossexualidade deveriam ser regulamentadas, uma vez que são as mais expostas. Ademais, existe um imaginário LGBTIfóbico que sustenta erroneamente que a diversidade LGBTQIAPN+ é dotada de um processo de sexualização precoce, o que é mentira. Sexualidade é diferente de sexualização.

Crianças têm maturidade para se entenderem trans?

A certeza e estabilidade, segundo a Antra, são buscas centradas no modelo patologizante. O processo de transição pode não ser linear e frequentemente envolve o luto pela perda de projeções acalentadas por familiares. O que se deve buscar é o acolhimento das vivências, em sua transitoriedade, inventando e acolhendo formas de ser criança. Como questiona a ONG Minha Criança Trans: “Se as crianças cis não têm dúvidas sobre quem são e ninguém questiona isso, por que as crianças trans são o tempo todo questionadas?”

Todo comportamento fora dos padrões de gênero significa que a criança é trans?

Não. Padrões pré-estabelecidos socialmente, como cores, brinquedos ou roupas que sejam para meninos ou meninas devem ser desconstruídos, pois são estereótipos e variam conforme o local  e o tempo, não sendo, portanto, naturais, e sim padrões ensinados e reforçados socialmente. Assim, se uma menina deseja usar fantasia de super-herói e brincar de carrinhos, e um menino quer brincar de boneca ou usar itens na cor rosa, por exemplo, isso não significa que esta criança seja trans. A identidade de gênero diz respeito a uma experiência subjetiva. O apoio da família e de ONGs que acolhem pessoas trans é fundamental para identificar que a criança pode, de fato, não se identificar com o gênero que lhe foi atribuído, criando espaço para que essa ideia amadureça e para que as dúvidas sejam elucidadas. 

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