Texto de autoria da psicóloga Thais Rodrigues dos Santos (CRP-08/23443)

No Brasil, diante da complexidade do racismo estruturador das hierarquias sociais, não basta a tolerância, é preciso o enfrentamento do “racismo religioso”, manifestado pelo conjunto de práticas violentas de extermínio, discriminação e ódio pelas religiões de matriz africana e suas(seus) praticantes, assim como pelos territórios sagrados, tradições e culturas afro-brasileiras.
É justamente o componente racial presente no discurso que diferencia a intolerância religiosa do racismo religioso. Para o Professor Sidnei Nogueira, há quem proteste dizendo ser branca e umbandista, mas o ponto é que a religião é preta. Em si, ela agrega traços da africanidade, rituais africanos, rituais pretos. Isso o racismo não suporta. Ele odeia o que é negro – a não ser, evidentemente, se for carnaval, como nos ensinou Lélia Gonzalez.
Em um país pretensamente laico pela Constituição Federal vigente, vemos, ainda, no cotidiano, a reprodução colonial da garantia de coexistência de diferentes grupos religiosos, desde que sejam cristãos. Ou seja, nenhum Estado é neutro em termos religiosos, já que a defesa por um modelo único de laicidade é uma forma de dominação religiosa e política.
Se a catequização compulsória colonial naturalizou a convivência com as imagens cristãs em espaços públicos, nomes de praças de ruas, assim como datas comemorativas com peso de feriados nacionais, ao mesmo tempo, distorceu os valores civilizatórios da população afro-ameríndia. Ela também inferiorizou e demonizou cosmogonias estruturantes da cultura e religiosidade brasileira, ainda que perseguidas e fortemente negadas pelo discurso oficial branco.
Além disso, acompanhamos o fortalecimento do discurso de ódio por alguns movimentos neopentecostais, cujo projeto teopolítico elegeu como alvo de perseguição as religiões de matriz africana em defesa violenta de seus interesses cristãos (leia-se, nesse caso, dominação econômica, política e cultural com o extermínio em massa dos alvos).
Os alvos são territórios terreiros de acolhida, fortalecimento, cuidado e resistência de uma população alvo marginalizada historicamente: pessoas negras, afro-indígenas, pobres, mulheres, pessoas com deficiência e LGBTQIA+, entre outros grupos.
Por isso, a despolitização por meio da individualização dos casos retira o reconhecimento como um crime de ódio, uma vez que há violação do direito à liberdade religiosa e quebra do direito político de expressão do credo como exercícios de cidadania. Ao Estado cabe impedir e coibir ataques a manifestações religiosas com teor racista.
É preciso que haja políticas públicas direcionadas ao enfrentamento do racismo religioso, pois o elevado número de subnotificação dos casos é um indício de como a questão segue sem a responsabilização da sociedade brasileira.
Não esqueçamos que o dia 21 de janeiro é de luta: ele marca um triste crime contra Mãe Gilda, que morreu depois de ser exposta como charlatã, satanista, criminosa. Este dia marca a postura silenciosa, criminosa e genocida presente no racismo religioso. É preciso mais do que tolerância. É urgente maior debate político em torno do tema: isso faz parte da luta antirracista.