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Setembro Amarelo: por que precisamos de uma postura crítica e reflexiva para não provocarmos mais sofrimentos?

Desde 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria, em parceria com o Conselho Federal de Medicina, promove no país essa campanha de marca registrada que, todos os anos, estabelece um novo mote de divulgação. O principal argumento que a fundamenta é a percepção da importância de ampliação do debate público sobre o suicídio como forma de prevenção do fenômeno.

Entretanto, se nas primeiras edições muitas organizações e profissionais entusiasmaram-se com a oportunidade de se falar sobre saúde, temos verificado, ano após ano, que os discursos mais comumente adotados têm provocado mais dores do que prevenido. A lógica individualizante do sofrimento, com viés moralista e/ou medicalizante, que muitas vezes responsabiliza os sujeitos por mazelas que são decorrentes de fatores estruturais, mesmo que sob a fachada do acolhimento, têm gerado intenso sofrimento a pessoas e grupos que passam ou passaram por experiências correlatas ao tema.

Além disso, a lógica de se abordar assuntos sociais importantes sob o formato de campanhas (ao invés de práticas contínuas e sistemáticas) tem se mostrado ineficaz, já que sobrecarrega profissionais e serviços na promoção de atividades deslocadas de sua atuação, construindo a falsa impressão de avanço sobre a temática, mas sem produzir resultados efetivos.

No caso específico do Setembro Amarelo, apesar de tantos esforços para ampliar o diálogo sobre suicídio, infelizmente não se verifica êxito no principal objetivo da campanha, uma vez que, desde sua instituição, o número de mortes autoprovocadas vem aumentando no país (ou permanecendo estagnado em algumas categorias populacionais).

Isso nos leva novamente à percepção de que o sofrimento psíquico está associado a fatores sociais, como a falta de condições objetivas de reprodução material da vida; a desigualdade de acessos e condições de vida; as opressões de cunho racista, machista, lgbtfóbico, capacitista, classista, entre outras violências estruturais de nossas relações.

Deste modo, reivindicar de fato a valorização da vida deve passar, necessariamente, pela defesa de um modo de vida que privilegie o bem-estar de sujeitos e coletivos; que acolha e promova os direitos humanos e as diversidades; que compartilhe condições de moradia digna, alimentação, Sistema Único de Saúde público e universal, com atendimento em saúde mental na perspectiva antimanicomial, trabalho protegido, educação de qualidade social, políticas econômicas e sociais que atendam às necessidades de todas as pessoas.

Assim, o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) recomenda que profissionais e estudantes, diante de convites ou se desejarem produzir debates sobre o tema, reflitam criticamente:

  • As ações de “valorização da vida” das organizações proponentes restringem-se a esta palestra, para que as pessoas que a assistem se tornem individualmente responsáveis pela superação de sofrimentos decorrentes de condições estruturais? Ou se inserem de fato em um conjunto de ações contínuas de promoção de bem-estar e qualidade de vida em seus processos cotidianos?
  • As ações promovidas valorizam efetivamente os saberes e profissionais da Psicologia na reflexão sobre promoção de saúde nos contextos institucionais, ou são solicitações de preparação e apresentação de palestras voluntárias, sem perspectivas de transformação de práticas a partir dos debates realizados?
  • Nossos discursos têm sido competentes em reconhecer as dimensões sociais e estruturais do sofrimento psíquico, e defender um projeto de sociedade que enfrente as desigualdades, as opressões e violências para as vivências libertas das diversas subjetividades?

Caso contrário, podemos aproveitar o destaque ao tema para aprofundarmos coletivamente nossos estudos sobre o fenômeno em suas múltiplas variáveis, considerando os atravessamentos do racismo, das violências sobre gênero e sexualidade, das discriminações e da exclusão como tentativas de aniquilamento de subjetividades.

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