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Nem todas a formas de trabalho são reconhecidas pela sociedade, mas a Psicologia precisa olhar para isso

Há cerca de dois anos, Gemma Chambers, mãe “em tempo integral”, decidiu filmar sua rotina com o filho de 2 anos, Kayle, para mostrar ao marido e “provar” que sua rotina era tão ou mais estressante e cansativa que a dele, que trabalhava em um emprego formal. A história se tornou “viral” e levantou uma discussão: o quanto a sociedade reconhece – ou não – os trabalhos não formais, como os Gemma e de tantas outras pessoas que trabalham em áreas como o esporte, o entretenimento, os pequenos negócios, ou que trabalham fora da carga horária mais tradicional – seja fazendo home office ou fabricando produtos caseiros para venda, por exemplo.

 

A Psicóloga Iara Lais Raittz Baratieri (CRP-08/18399) estudou a subjetividade das mulheres que trabalham em casa, conhecidas popularmente como “do lar” ou “donas de casa”, para entender como elas se relacionam com esta função. “Compreende-se que esta condição perpassa um contexto social, em que o trabalho remunerado representa um valor social importante, e do qual estas mulheres encontram-se excluídas por não exercerem um trabalho que seja remunerado”, explica a Psicóloga. “O trabalho é importante para a afirmação da identidade feminina, seja dentro ou fora de casa, capaz de fazê-las se sentirem úteis, e também pode ser uma possibilidade para estas mulheres falarem sobre seu ser”, afirma.

 

O resultado da pesquisa, que foi publicado em sua dissertação de mestrado, mostrou que a maneira como cada mulher lida com o fato de ficar em casa varia de acordo com o contexto em que nasceram e foram criadas e com o momento de vida, mas a invisibilidade e a desvalorização deste trabalho apareceram em diversas falas. “Há um discurso social sobre a mulher e o trabalho, e também há questões sociais a serem discutidas sobre a ausência de políticas públicas e serviços sociais que suportem sua saída para o mercado formal de trabalho. O que entendemos com este estudo é que mesmo diante de todo este contexto social, a decisão de cada mulher diz de si, de suas questões mais íntimas e suas identificações, que resultaram na sua posição”, reflete a pesquisadora.

Somos o nosso trabalho?

Como apontado pelos estudos de Iara, o trabalho é um componente importante na composição da subjetividade das pessoas, pois é a maneira como muitas vezes nos relacionados com o mundo – a uma criança se questiona o que ela “vai ser quando crescer”, referindo-se à profissão; a um recém-conhecido se pergunta o que ele “faz da vida”, com o mesmo objetivo. O Psicólogo e Psicanalista Jorge Sesarino (CRP-08/02367) analisa esta questão a partir do ponto de vista que o trabalho é toda ação que implica uma troca social, uma relação de dar, receber e retribuir. “Até a palavra ‘a-ti-vidade’ já nos remete a algo que se faz para o outro. No fundo, nós queremos ser amados, reconhecidos, promovidos a partir do trabalho que é realizado”, afirma.

 

Desta reflexão podemos extrair uma das raízes dos problemas que afetam trabalhadoras(es) que estão fora das empresas ou mesmo das profissões mais tradicionais: a dificuldade que a sociedade tem em reconhecer as atividades informais como trabalho pode impactar a saúde mental, que passam a se sentir menos úteis em seus meios. “Quem é inútil e não serve para nada não tem um lugar de prestígio, de reconhecimento social, de valor, de decência, de dignidade, de amor”, avalia Sesarino.

O trabalho autônomo: planejando a saúde mental

Para o Psicólogo Marcio André Maciel (CRP-08/23954), coordenador da Comissão de Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT) de Londrina, as pessoas que trabalham de forma autônoma, sem vínculos empregatícios, não costumam ter um planejamento sobre as atividades e tampouco sobre o cuidado em saúde mental.

 

Ele mesmo, antes de se tornar Psicólogo, teve uma experiência como técnico de informática, prestando serviços para outras empresas. “Em algumas áreas é comum que a gente não receba um feedback do cliente, e isso pode gerar ansiedade. Será que o meu trabalho foi bem feito? Às vezes eu só ia saber isso um ano depois, quando era chamado de novo”, relembra.

 

Além da ansiedade relatada por Márcio, outros problemas podem decorrer do trabalho autônomo: o medo de não ter uma renda suficiente para as necessidades da família, a instabilidade econômica que pode fazer variar as demandas e os ganhos, as pressões impostas pelos clientes, etc.

 

A POT tem um papel fundamental neste cenário. “A Psicóloga e o Psicólogo podem criar ferramentas para a pessoa lidar melhor com estes sentimentos e se planejar melhor em suas atividades”, avalia. Ele complementa dizendo que “o trabalho da Psicologia pode ser importante também para que a pessoa veja que não está sozinha, que tem com quem contar, em quem buscar apoio”.

Consultorias em POT e clientes em busca um do outro

Mas, se estas pessoas estão fora do mercado formal de trabalho, muitas vezes pode ser difícil para a(o) Psicóloga(o) – tradicionalmente locada(o) em empresas – chegar até estes possíveis clientes. Da mesma forma, as(os) trabalhadoras(es) não sabem como acessar estes serviços. Por isso, o coordenador da Comissão de POT de Londrina defende o estabelecimento de parcerias e a divulgação de informações na sociedade. “Precisamos fazer parcerias com instituições como o Sebrae e colocar a temática na mídia, em reportagens que mostrem a importância de se cuidar da saúde mental no contexto do trabalho”, afirma.


A divulgação profissional de Psicólogas(os) que atuam em consultorias, que não pode conter previsão taxativa de resultados (de acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo), deve ser baseada em fatos, na opinião de Márcio. “Por exemplo, outro dia eu li uma reportagem sobre os afastamentos de trabalhadores nos EUA por problemas relacionados à saúde mental. Algo em torno de 120 mil pessoas precisaram sair de suas atividades em um ano, trazendo um prejuízo da ordem de bilhões de dólares. É com dados como esse que mostramos a importância do nosso trabalho”, exemplifica.

POT em todas as fases da vida

Márcio André Maciel explica que a Psicologia Organizacional e do Trabalho não é útil apenas para adultos com a carreira já em andamento. É fundamental também para adolescentes em fase de escolha da profissão, para profissionais que decidem mudar o ramo da atividade – afinal, não existe uma regra que determine o prazo para fazer um novo curso ou aprender um novo ofício – e até mesmo para crianças. “Uma criança faz um desenho e isso indica um talento para determinada profissão: podemos conversar com os pais e com a criança para alinhar as expectativas dos adultos em relação a ela, para tirar possíveis dúvidas e ajudar a família a encontrar uma harmonia”, exemplifica o Psicólogo.

 

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