Texto do Núcleo Transcentrado e Diverges.
Autoria: Fabiane Kravutschke Bogdanovicz (CRP 08/19219), Matheo Bernardino (CRP-08/25791), Rodrigo Taddeu da Silva (CRP 08/22826), Jussara Doretto Benetti do Prado (CRP 08/25852)

Diariamente, pessoas são alvo de discriminação, violência e assassinato simplesmente por expressarem orientações sexuais e identidades de gênero não normativas, vivências também marcadas por especificidades étnico-raciais, de deficiências, idade, classe, entre outros.
A liberdade das diversidades de ser e existir da comunidade LGBTQIAPN+ é constantemente ameaçada quando indivíduos são submetidos a tentativas de “reorientação/reversão” da sua orientação sexual e identidade/expressões de gênero, resultando em “tentativas de aniquilamento”.
Apesar de serem frequentes, tais tentativas não conseguem eliminar completamente a capacidade de ressignificação da constituição subjetiva. Afinal, a diversidade humana é um leque gigantesco de possibilidades.
A Psicologia e as existências plurais
Existem diversas evidências que comprovam a ineficácia de “terapias” de cunho corretivo ou conversivo. Tais práticas se direcionam a tratar algo que não é um distúrbio psicológico, desvalorizando a vida das pessoas, reforçando o preconceito e causando danos à saúde integral de LGBTQIAPN+.
Independentemente da área de atuação, abordagem teórica ou público alvo, profissionais da Psicologia devem adotar uma postura que reconheça a LGBTIfobia como a variável patológica responsável por consequências negativas para a saúde mental das minorias sexuais e de gênero. Precisamos ter uma percepção interseccional e contextual, comprometida com o respeito, o acolhimento e a despatologização das diversidades.
A Psicologia, como ciência e profissão, não pode se separar do compromisso ético e político com a dignidade de todas as pessoas. É também fundamental denunciar as negligências sociais e contribuir para o combate a quaisquer práticas que aniquilem subjetividades.
Existências que resistem
Sou travesti, heterossexual, branca e tenho 21 anos de idade
[…] Eu sou uma pessoa culta que detém conhecimento, mas porque sou travesti eu sou muito rotulada. As pessoas me veem como objeto infelizmente. Não adianta nada, eu passo por situações que eu não queria passar na rua. Eu não posso ficar em uma esquina que as pessoas se acham no direito de parar e perguntar se eu faço programa. Nas minhas redes sociais, as pessoas se acham no direito de vir até o meu privado e dizer: “ Olha, você faz programa?” Sempre é assim.
Sou não binárie, pansexual, indígena e tenho 23 anos de idade
Até os 17 anos, eu me escondia. Quando chegou nessa idade, eu cheguei a pensar no suicídio também, é natural. Eu vejo como natural para as pessoas que passam por isso também. Até o dia que eu: “Gente, não é bem isso.” […] Eu nunca tinha escutado esse negócio de transgênero. Eu via aquele povo mais afeminado, então, eu queria me inspirar neles também […] Dos 14 até os 17 anos, sofrendo, escutando um bocado de coisas, tendo que aceitar um bocado de coisas, porque eu não tinha idade, eu não tinha corpo, eu não tinha nada e nem ninguém, praticamente. E eu pensei: “Eu vou desistir.”, tanto que eu escrevi uma carta. Nesse dia, eu cheguei em casa e minha mãe começou a brigar comigo. Ela só alimentou e, quando eu estava praticamente para me enforcar, eu pensei: “Caraca, eu posso estar desse jeito, mas eu vou desistir agora? Eu ainda tenho uma história, eu posso fazer a minha história, eu tenho o direito de ter uma história também.
Sou gay, homem cis, negro e tenho 24 anos de idade
Ele (o psicólogo) dizia que a minha homossexualidade teria advindo de uma relação inadequada com o meu pai. Segundo ele, quando a criança do sexo masculino deixava de se identificar com pai, ou se o relacionamento da criança com pai fosse um relacionamento ruim, ele não iria conseguir se identificar com o masculino e, portanto, ia passar a buscar esse masculino em outros homens. À medida que isso não acontecesse, se tornaria um desejo sexualizado, e daí (surgiam) os desejos homossexuais. Então, era uma sensação de insuficiência na minha masculinidade, na visão dele, que causaria essa busca, esses desejos homossexuais.
Sou lésbica, mulher cis, negra e tenho 46 anos de idade
Uma surra que, assim, não foi a primeira, […] por conta desse motivo. Eu lembro que a minha mãe me forçou a falar na frente de duas vizinhas nossas[…] Estava muito chateada comigo, e minhas irmãs, a minha irmã mais velha, e eu disse para ela que não era nada disso que ela estava pensando, que eu estava com medo que ela me batesse. Mas, de repente, eu fui tomada por uma coragem. Não sei nem como eu consegui dizer para ela: “A partir de hoje, a senhora vai me ver, sim, de mãos dadas com outra mulher e, se vierem lhe contar, a senhora pode acreditar que é verdade.” Ela me bateu muito por causa disso, uma surra que não acabava nunca. Fiquei muito machucada, levei quase cinco dias para poder me recuperar, porque tudo o que ela tinha na mão, que ela viu pela frente, ela atirou em mim.
Sou homem trans, heterossexual, pardo e tenho 24 anos de idade
A pessoa é induzida a acreditar que ela tem aquele problema psicológico e, por isso, ela se sente daquela forma. Ela não é homossexual, ela tem essa conduta porque tem distúrbio psicológico. É dessa forma que é tratado: “Ah, você é gay só que a gente vai te formar uma pessoa hétero, tá?” […] te induzem, desde as terapias, a acreditar que aquele sentimento que você sente de não pertencer a lugar nenhum, de se sentir confuso, de não ter lugar no mundo, é decorrente de um distúrbio psicológico. […] que aquilo que eu estava sentindo era decorrente das minhas variações, que daí me dava essa confusão de não saber discernir o que eu estava sentindo, de achar que era ilusão. “É porque você está deprimida, e aí você não consegue ver a vida de outra forma. Você está vendo desse jeito porque você está com depressão. […] Tudo se justificava […], porque eu tinha um tal distúrbio.
Sou não binárie, intersexual, pansexual e tenho 26 anos de idade (Raça não declarada)
Como eu já estava indo contra a minha vontade ao consultório de uma psiquiatra e ela falava que eu tinha esquizofrenia, então a minha família, que é muito tradicional, conservadora, já ficou com uma ideia também muito difícil de quebrar, de que eu tinha uma doença e que eu estava precisando tomar muito remédio. Isso também ia me deixando com muita raiva, porque eu não tinha diálogo. Tudo o que eu falava era deslegitimado porque eu sempre era a louca da história. Então, tipo, ninguém precisava prestar atenção no que eu estava falando ou levar aquilo em consideração.
LGBTIfobia na construção subjetiva
Os relatos apresentados evidenciam a presença de forças opressoras que exercem um impacto aniquilador na formação das subjetividades LGBTQIAPN+. Entre tais forças, a heteronormatividade e a cisgeneridade se destacam como sistemas autoritários e excludentes na produção das subjetividades.
Os relatos destacados foram coletados pela Comissão de Direitos Humanos do Sistema Conselhos de Psicologia, em diversas regiões do Brasil, e deram origem ao livro “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs”.
As narrativas que retratam a realidade vivida pelas pessoas entrevistadas têm como objetivo contribuir para uma análise crítica do fenômeno e dos processos de violência experimentados pela comunidade LGBTQIAPN+.
Esse trabalho incrível reúne narrativas corajosas e poderosas que revelam a dura realidade enfrentada pela comunidade LGBTQIAPN+. Nele, vocês encontrarão as histórias completas, que nos desafiam a refletir sobre a atuação da Psicologia frente ao fenômeno da violência enfrentada pela população LGBTQIAPN+.
Convidamos vocês a participarem desse movimento de conscientização, empatia e respeito, que fazem a diferença!