Texto por Comissão de Estudantes Campos Gerais
Escrever neste dia de estudantes, em meio ao atual contexto, acaba sendo desafiador. De um lado, temos a dificuldade em nos adaptarmos ao cotidiano virtual, criarmos novas formas de manter as atividades e não deixar de acolher pessoas que precisam de auxílio nesse momento. Em contrapartida, precisamos olhar para as condições em que nos encontramos. Isto é, enquanto estudantes que tiveram acesso a uma instituição de ensino superior e, para além disso, mesmo em um contexto tão conturbado, tivemos condições, por mínimas que sejam, de permanecer na graduação. E é nesse ponto que nos deparamos com as contradições do contexto político-econômico-sanitário. Não podemos ser levianes em colocar apenas lamúrias sobre os desafios e a renovação da própria formação nesse pouco mais de um ano de pandemia, sem considerar em que posição nos encontramos nessa história, sem considerar todas as desigualdades que foram acentuadas e que mais de 560 mil vidas foram perdidas desde o início da pandemia em nosso país.
Em um encontro que tivemos com a Comissão de Estudantes uma colega fez uma analogia muito interessante; não é verdade que estamos com todo o restante da população no mesmo barco, pois seria mais correto dizer que nos encontramos, na verdade, sob a mesma tempestade. E é um pensamento que pode exemplificar o que percebemos ao sermos convidades a falar sobre a nossa experiência enquanto estudantes de Psicologia. Tais embarcações são dotadas de especificidades, algumas maiores, outras menores; há também algumas mais debilitadas e que sofrem com inundações constantes devido à ventania, à chuva forte e às ondas enigmáticas. No caso, estamos em uma embarcação que nos dá mais estabilidade e segurança, por mais forte que seja a tempestade. Partindo dessa analogia, situamos o lugar de fala de nós, estudantes da Comissão.
A Comissão de Estudantes de Psicologia dos Campos Gerais surgiu durante a pandemia, justamente partindo de uma tentativa de discutir a saúde mental e as dificuldades do ensino remoto emergencial, tão urgentes no contexto. Aqui cabe destacar a reivindicação por condições mínimas de acesso à educação e ingresso ao ensino superior, em um momento em que tivemos o menor número de inscrições para o ENEM. Durante esse período percebemos a multiplicidade de experiências de estudantes, apesar de nos encaixarmos em uma “classe” e termos lutas conjuntas. Somos bastante diverses, assim pudemos criar possibilidades na formação em Psicologia contemplando pautas importantes para cada integrante da Comissão a partir de reuniões temáticas virtuais, em que trouxemos, e ainda estamos trazendo, pessoas de diferentes perspectivas para discutir temas que julgamos necessários. A primeira temática escolhida foi a Saúde Mental de Estudantes e mostra a necessidade desse assunto permear todas as discussões da formação em Psicologia.
O momento desafiador que estamos vivendo ao longo da pandemia forçou estudantes a diversas adaptações, trancamentos de matrículas, dificuldades de acesso e adaptações na rotina, como a inserção no mercado de trabalho para complementar a renda familiar e a ampliação do cuidado com familiares e pessoas próximas. Além da incerteza que a pandemia tem causado, nos vimos de um dia para o outro privades de estar com amizades, de frequentar as aulas de maneira presencial, interagir com colegas e docentes. Não foi fácil mudar e se privar de tantas coisas. Principalmente para estudantes dos anos finais de sua graduação que tiveram estágios, trabalhos de extensão e tantos projetos adiados. Enfatizamos também que todas essas mudanças, medos e incertezas não são acontecimentos particulares de estudantes de Psicologia, contudo, a nós, soma-se ainda a cobrança de que, por estudarmos Psicologia, precisávamos “tirar de letra” tudo o que vem acontecendo. Essas cobranças são recorrentes e já ocorriam antes da pandemia. Sempre fora atribuída a nós a “responsabilidade” de aguentar firme, manter o controle de nossas emoções e se impor diante dos conflitos. Porém cabe ressaltar que sofremos como todo mundo, temos nossos problemas e aflições, erramos e acertamos, temos força e fragilidade e estamos tentando manter nosso bem-estar mental, assim como os demais.
Falar sobre nossos medos e receios é muito importante para desmistificar a figura que Psicólogas, Psicólogos e Psicólogues representam na vida de muitas pessoas à nossa volta. É também uma grande oportunidade de aproximarmos a comunidade e mostrar a importância de profissionais de Psicologia para a sociedade. Esse é um dos grandes desafios que temos pela frente: nos tornarmos profissionais competentes que fazem a diferença na vida de sujeitos e coletivos que precisam. Abaixo segue um pequeno relato de Mickael Ghattas Dagia, estudante de Psicologia e integrante da Comissão de Estudantes de Psicologia dos Campos Gerais:
A mudança para o virtual foi brusca, e um tanto difícil. Num primeiro semestre abandonei 2 matérias (no final, deu pra passar raspando). Mas a gente se adapta com o tempo. De certo modo, essa realidade me ensinou a estudar por conta própria, algo que eu nunca fiz.
O mais interessante dessa história toda é estudar Psicologia, especificamente. E ter uma noção do que se “passa na cabeça das pessoas”. E interpretar (ou ao menos tentar) os “fenômenos psicológicos”. Como todo mundo já sabe, a pandemia é complexa, estressante, e faz brotar coisas na cabeça das pessoas do nada! Por isso mesmo, é uma situação que te traz momentos muito diferentes, onde você tem a possibilidade de pensar e analisar as coisas de um modo novo (pra você, pelo menos). Nossa, como eu mudei nesse ano e meio que passou! E várias vezes inclusive. Ter a Psicologia “do meu lado” foi de extrema importância: da mudança da personalidade por Rogers até artigos críticos sobre a atuação na gestão de pessoas e de uma formação voltada pra clínica, e o papel do psicólogo na sociedade. O meu papel. Toda essa situação traz uma possibilidade de mudança, em grande escala. E bom… eu quero estar na ponta da lança dessa mudança.
Tomamos então esse dia de estudantes não só como uma data comemorativa, mas também como um dia para nos lembrarmos e nos reconhecermos enquanto uma categoria implicada na mudança, na resistência aos desgovernos e ao contexto político-econômico-sanitário que vivemos. Portanto, celebremos o dia daquelas, daquelus e daqueles que resistem e que lutam!