Brincadeira é assunto sério. É através dela que a criança se desenvolve, cria, imagina, experimenta a relação com os outros, descobre, sente, exercita o corpo e aprende. O mundo a sua volta pode ser conhecido pela exploração em que a criança imita, constrói, inventa e manipula. Esse momento vai muito além da recreação e precisa ser respeitado. Inclusive, o direito à liberdade previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente compreende a brincadeira, a prática de esportes e a diversão.
O desenvolvimento infantil, abrangendo os âmbitos sociais, afetivos, culturais, cognitivos, emocionais e físicos, depende da brincadeira. A Psicóloga Rima Awada (CRP-08/17102) explica que é por meio dessa dinâmica complexa que é possível se relacionar consigo e com o mundo ao seu redor, e “emergir no processo de aprendizagem, facilitando a construção da autonomia, reflexão e criatividade”. Rima aponta que na brincadeira, além de se divertir, a criança desenvolve a memória, a atenção, a imitação e a imaginação, bem como a sua personalidade, inteligência e afetividade.
A brincadeira é universal e é própria da saúde: o brincar facilita o crescer, logo a saúde.
Winnicott (1975)
Para Lev Vygotsky, um dos maiores representantes da Psicologia Histórico-Cultural, o sujeito se constitui ao se relacionar com os outros em atividades “caracteristicamente humanas”. Nesse sentido, a brincadeira é uma maneira de expressão e de formulação de sentidos sobre o mundo, afirma a Rima.
A Psicóloga Iara Raittz Baratieri Omar (CRP-08/18399) também coloca a importância se de “levar a sério” a brincadeira como uma atividade simbólica: “Não é incomum as crianças reproduzirem eventos felizes ou traumáticos no seu ato de brincar. Não se trata de uma pura ‘reprodução’, mas também da elaboração das suas vivências”.
“Na minha época, eu passava o dia todo brincando na rua”
Tem-se falado muito que as crianças de hoje em dia brincam menos do que brincavam as crianças antigamente. Segundo as Psicólogas, a falta de tempo, espaços e segurança pública para brincar é uma tendência global. Porém, outros motivos podem ser levados em conta, como considerar que brincar é uma “perda de tempo” em relação às atividades escolares e extracurriculares.
Quando acabam as variadas tarefas, as crianças estão cansadas e optam por atividades que exigem menos esforço, como assistir à televisão ou jogar videogames. Rima também cita a preferência das crianças pelo mundo da tecnologia, que é mais fácil, livre e leve.
Não há tecnologia que substitua a importância das relações humanas, elas são imprescindíveis ao desenvolvimento humano
Psicóloga Iara Raittz (CRP-08/18399)
A tecnologia como aliada
Iara destaca que o avanço das tecnologias cria outras formas possíveis de brincadeiras. A interação com a tecnologia e o espaço virtual podem e devem fazer parte da vida da criança, mas não em excesso. Rima atenta que, sem equilíbrio nesse uso, podem surgir problemas de relacionamento, atenção, sedentarismo e até danos à visão e à coluna.
Outra questão é a substituição das relações humanas pela tecnologia: “Não há tecnologia que substitua a importância das relações humanas, elas são imprescindíveis ao desenvolvimento humano”, complementa Iara. Por isso, as Psicólogas enfatizam a importância de encontrar tempo e espaços para que a criança interaja com outras crianças, exercite o corpo, estude, brinque e tenha contato com a natureza.
Um jogo no iPad ou no aparelho celular, por exemplo, fica mais interessante se for criada uma gincana em família.
Psicóloga Rima Awada (CRP-08/17102)
Vem brincar comigo?
A vida atribulada dos pais faz com que se diminua o tempo dedicado aos seus filhos. Brincar com os pequenos favorece a relação entre pais e filhos e cria momentos que podem ser mais divertidos se compartilhados. Para Iara, o adulto precisa se propor a estar verdadeiramente com a criança.
Além disso, não são necessários brinquedos de última geração: o que conta é disposição e tempo de qualidade, pondera Rima: “um jogo no iPad ou no aparelho celular, por exemplo, fica mais interessante se for criada uma gincana em família”.
Hora de brincar
As Psicólogas ressaltam que é preciso criar espaços para o lúdico no cotidiano como uma prioridade. Segundo Rima, brincar é importante e necessário, é a cultura da infância. É uma oportunidade para criar, relacionar-se, estar no mundo, cuidar, amar e educar.
O brincar precisa ir além da idade. Não é raro ouvir adultos dizendo “como é bom voltar a ser criança”, após alguma situação prazerosa. “Brincar, rir e se divertir é essencial em qualquer momento da vida. Tudo que deixa a vida mais leve deve ser bem-vindo, não é mesmo?”, complementa a Psicóloga Iara.