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Debates emocionaram público que participou ativamente nos dois primeiros dias da Jornada “Mulheres em Ação”

A Jornada Mulheres em Ação começou no dia 08 de março, data que marcou o Dia Internacional da Mulher”, com a exibição e debate sobre o documentário “Meu Nome é Jacque”, que contou com a presença da própria protagonista do filme, Jacqueline Rocha Cortês.

Mulher transexual brasileira, Jacqueline emocionou a plateia que lotou o auditório do CRP-PR ao contar sua história de lutas e de conquistas. Ela contou que iniciou a militância como uma pessoa vivendo com Aids (doença com a qual convive há mais de 30 anos), mas que logo percebeu a necessidade de falar sobre o direito a identidade de gênero. “Eu achava na época que a questão da transexualidade era muito íntima, mas hoje eu entendo que o mundo precisava de referência e continua precisando cada vez mais de referência trans. Essa diversidade precisa estar entre essas referências para tentar humanizar as relações”, explicou.

Por que debater a questão das mulheres?

A programação da Jornada “Mulheres em Ação” contou, no dia 11 de março, na parte da manhã, com a mesa-redonda “Por que debater a questão das Mulheres?” A primeira palestrante da mesa, coordenada por Roseli Isidoro, foi a travesti Adriana Sales, que falou sobre a importância de se discutir a prática da Psicologia em relação à transexualidade e travestilidade.

Doutoranda em Psicologia na UNESP, professora e diretora da Articulação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Adriana questionou a falta de disciplinas específicas que tratem de sexualidade na formação de muitos psicólogos e o posicionamento patologizante adotado em algumas perspectivas. “Alguns posicionamentos tentam sempre marcar nessa expressão de gênero travesti ou de pessoas trans e nesses corpos uma patologia.  Tenta nos encaixar em alguns quadradinhos e nem sempre esses quadradinhos dão conta de nos comportar”, disse.

“Quando se fala dessa corporalidade das pessoas trans, o que é esse corpo? As pessoas e algumas Psicologias imaginam o que é estar neste corpo, quais são as sensações, quais são os atravessamentos, quais são as subjetivações que estão neste corpo, mas não sabem de fato o que é. Porque eu imagino o que é o corpo do outro, mas eu não sei o que vibra no corpo do outro”, alertou. “Será muito tranquilo discutir políticas para as mulheres, e aí trazendo também a pauta travesti, quando reconhecermos que esse gênero é possível e quando eu reconheço que os corpos trans são possíveis. Aí sim, as ciências e as políticas começarão a discutir de fato a implantação e implementação de políticas que realmente reconheçam a existência desses corpos. ”

Ela também fez, durante sua fala, uma defesa da luta de direitos, ressaltando a importância de se discutir a violência que atinge travestis e transexuais. “Eu chego no movimento social justamente por me deparar com uma rejeição brutal e uma violência brutal em relação à minha existência. O sofrimento me fez chegar a um espaço de militância e de ativismo que na maioria das vezes para nós travestis é o único espaço de acolhimento”, explicou. “Hoje eu me considero uma idosa, porque com mais de 35 anos eu já passei da média de vida estatística para o meu grupo. Diga-se de passagem, apenas em 2017 os 27 assassinatos de travestis e transexuais”, lamentou.

A mesa continuou com a apresentação da estudiosa sobre Religiosidade, Yaguña do Candomblé e mestra em Tecnologia pela Universidade Federal Tecnológica do Paraná (UTFPR), Dalzira Maria Aparecida. Ela falou sobre Laicidade do Estado e Garantia de Direitos. Ela falou sobre a importância do respeito e do direito ao espaço de expressão religiosa para todas as pessoas, inclusive o direito a não professar nenhuma religião. “O Estado brasileiro se diz um estado laico, mas quando se vê a distância entre a laicidade e o real direito à liberdade de expressão religiosa é muito difícil. ”

Dalzira falou também sobre a dor causada pela discriminação religiosa. “Dentro da religião o que me incomoda mais é a intolerância, é essa que nos impede de viver. Não era para ser o termo tolerância, a gente queria respeito. Tolerância, que significa que você apenas tolera, mas nem esse direito se tornou real. Essa intolerância faz com que muita gente perca a saúde mental”, disse.

Última palestrante da manhã, a Psicóloga clínica, doutora em Ciências Sociais e professora da Unifesp, Andrea Domanico, falou sobre as Políticas Públicas para Mulheres. Segundo ela, as políticas públicas, sobretudo as políticas de Saúde voltadas para as mulheres, deixam muito a desejar e precisam ser mais efetivas. Ela questionou também a formação das(os) Psicólogas(os) que é machista e voltada para o diagnóstico.

Ela criticou também o rótulo e a discriminação relacionados às doenças mentais, e que atingem, sobretudo, as mulheres. “Quando eu digo que eu tenho transtorno mental eu sofro preconceito e a gente é considerada sempre louca e sempre histérica. Quando você é mulher e tem transtorno mental desqualifica-se a sua patologia, só pelo fato de você ser mulher. É mulher, supostamente é louca. ”, explicou.

Outra questão são as políticas voltadas para as usuárias de drogas. “Não existe política pública para usuário de drogas, quem dirá para as mulheres. Porque ser ‘crackeiro’ é uma coisa, mas ser ‘crackeira’ é outra. Estar no meio dos usuários de crack para uma mulher é muito diferente do que é para um homem. A violência que ela sofre, a forma que ela tem para adquirir a droga, é muito diferente da que um homem tem”, afirmou Andrea.

Ela citou ainda outros grupos que demandam políticas públicas específicas: as mulheres pobres e negras, as mulheres vivendo com HIV, mulher presa e ser homem preso são coisas muito diferentes, ser mulher em situação de rua e as profissionais do sexo e o direito à legalização da profissão, citou como exemplos. “Então por que debater a questão das mulheres? Por que nós temos questões muito específicas para cada recorte que nós fomos tentar fazer. Há muito a ser feito. Devemos celebrar ser mulher, mas lembrar que essa questão ainda é muito séria, quando a gente fala de políticas inclusivas para todas as mulheres e de políticas específicas para cada recorte que se fizer. ”

Mulheres e autonomia sobre o corpo

A tarde de debates contemplou uma performance com a fotógrafa Maria Fernanda Vilela de Magalhães chamada “A Natureza da Vida”. No momento em que interage com o público com e sem roupa, Fernanda busca proporcionar uma reflexão sobre a gordofobia e o direito ao próprio corpo. Depois da performance, ela conversou com o público presente sobre a questão da mulher. “Realmente é difícil enfrentar essa questão da aparência. Por que nunca se fala da questão da aparência, que é algo está implícito na questão da sexualidade e da violência? Ninguém quer enfrentar e discutir essa primeira instância que seria a instância do corpo. Eu entendo que todas as violências começam por aí, neste corpo que a gente tem que ser, tem que ter, e isso está implicado em todas as diversidades e todas as mulheres sofrem com isso”, avaliou.

Ela não descarta que esse tema também traz sofrimento aos homens, mas destaca que a construção social relacionada à mulher é muito mais violenta. “As mulheres gordas sofrem um preconceito enorme e isso não está ligado apenas a questão da sexualidade, também ao mercado de trabalho. E talvez uma das coisas mais complicadas seja que não se fala sobre isso”, comentou. “E aí vai se agregando, você é mulher, daí você é gorda, daí negra e é um somatório de violências”, acrescentou.

O debate sobre a autonomia do corpo continuou com a mesa-redonda “Mulheres e autonomia sobre o corpo”, mediado pela vice-presidente do Transgrupo Marcela Prado, Catuxa Bourges. A primeira palestra foi da coordenadora do Centro de Pesquisa e Atendimento para Travestis e Transexuais (CPATT), Carla Amaral, que falou sobre “Autonomia do corpo das mulheres trans e travestis. ” Ela contou sobre a sua vivência como mulher transexual e sobre as experiências com as quais convive. “Eu vejo o quanto a maioria das mulheres travestis e transexuais ainda sofrem pela não aceitam em relação à sua condição e à sua identidade”, afirmou. “Quando eu vou falar da autonomia do corpo, a gente precisa ir muito além do corpo e falar mesmo desta condição. Falar dessa autonomia, de ter nos apropriado e nos empoderado de quem somos e do que queremos”, disse.

Carla Amaral também falou sobre a dor causada, sobretudo às mulheres trans, pelas exigências na busca pela perfeição e pelo que é ser mulher, para atender o padrão do que a sociedade impõe sobre o que seja “ser mulher”. “É possível perceber que quando as pessoas buscam o nosso ambulatório com toda essa angústia, essa falta de autonomia, de empoderamento, nós buscamos desmistificar essa ilusão acerca do que é ser mulher”, afirmou. Ela também criticou as regras excessivas que as leis brasileiras acabam condicionando as pessoas trans. “Muitas vezes precisamos provar para os profissionais de saúde quem nós somos e o que nós queremos. Além disto, precisamos falar sobre a patologização dessa identidade. Quando alcançarmos essa despatologização, acredito que alcançaremos a autonomia real sobre os nossos corpos e a transformação dos nossos corpos. ”

A segunda palestrante da tarde foi a psicóloga, professora da PUC-PR e coordenadora em Curitiba da pesquisa “A Hora é Agora”, Carla Regina Françoia, que falou sobre “Legalizar o aborto e o direito ao nosso corpo”. A psicóloga explicou sobre as condições nos quais o aborto é considerado legal e os diversos aspectos da legislação que ferem a autonomia da mulher em relação ao próprio corpo. Ela explicou ainda que o aborto considerado ilegal é aquele realizado fora das circunstâncias previstas em lei (casos de estupro, risco de morte para a mãe e anencefalia do feto), nos quais os médicos não são punidos. O aborto é considerado ilegal nos demais casos. A gente sabe que existem muito abortos realizados com métodos como o uso de medicamentos abortivos, agulhas de tricot e vários outros métodos.

“Estes são métodos absolutamente perigosos. Essa é uma questão muito importante, porque não se trata de crime contra a pessoa, mas de um crime contra um ser humano em formação, que tem seus direitos garantidos, o feto. Essa questão é tão importante, porque legisla-se a favor do embrião, que depois de três meses de gestação vira o feto até o nascimento. Ou seja, legisla-se pelo direito garantido de vida ao feto, mas não pelo direito da mãe, não em favor da mulher. ”

“A questão do aborto é uma discussão que começa por qual vida é mais importante. A vida mais importante quando se criminaliza o aborto é a do feto e não da mulher porque quem legisla são homens que falam para homens sobre mulheres”, afirmou.

A última palestra foi conduzida pela psicóloga, doutoranda na Universidade Estadual do Rio de Janeiro em linhas de pesquisa sobre Gênero e Sexualidade, Thayz Conceição Cunha de Athayde.  A psicóloga falou sobre a importância de leis que protejam as mulheres como a Lei Maria da Penha, que resguarda as mulheres, além da violência física, das violências psicológica, sexual, patrimonial e moral. “A violência psicológica é algo sobre o que não se fala muito e que incluir qualquer conduta que vá causar dano emocional. Então isso inclui de alguma forma falar que essa mulher não é capaz, que ela não pode ou não consegue executar alguma tarefa, como trabalhar fora, por exemplo, é violência psicológica”, comentou.

“Isso acontece cotidianamente, no dia a dia. É importante discutir o que é visível e o que não é visível em relação a violência contra a mulher. Muito mais visível é o feminicídio, a agressão física, a ameaça, o estupro, mais invisível é humilhar, é culpabilizar, é a chantagem emocional e menos ainda é a publicidade que vai colocar essa mulher no lugar que ela pode ser culpabilizada e humilhada. Rir de uma piada machista é uma violência contra a mulher, por exemplo”, esclareceu.

Leia o que já publicamos sobre o tema

Entrevista com Jacqueline Rocha Cortês

As palestras na íntegra você acompanha no nosso 

Acesse também as galerias de foto do evento: Debate com Jaqueline Rocha Cortêssegundo dia de palestras e Performance de Fernanda Magalhães

 

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