O momento atual que o Brasil vive em relação à política, em que grupos que apoiam o governo se opõem duramente àqueles que pedem um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, preocupa por causar reações violentas entre as pessoas e também contra a mulher – na imagem da presidente Dilma, que está sofrendo diversas ofensas. Esta polarização guarda relações com a Psicologia, pois situações assim fazem surgir estados subjetivos de ódio e raiva.
Diante deste cenário, o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) redigiu um texto que aborda tais questões e reflete o posicionamento adotado.
Diálogo autêntico: o instrumento psicológico contra o Estado do Ódio
Diante da comoção social que presenciamos nas manifestações como “Panelaços” e “Fora Dilma”, observamos a prevalência de algumas interpretações que delineiam estados subjetivos de ódio e raiva. Entender de que maneira a Psicologia pode contribuir com essa dinâmica social torna-se fundamental para criarmos alternativas contra a distorção perceptual e a consequente brutalidade cotidiana.
Historicamente, nós, Psicólogas e Psicólogos, somos conhecedores de que a frustração e a angústia são constitutivas da existência humana. Como Le Bon e Freud atestaram já no início do século XX, os estados psicológicos não são negativos, mas tornam o humano integral em sua humanidade, possibilitam a aproximação humana criando vínculos que estruturam sua psique por diferentes interesses e vontades.
Por conseguinte, urge reafirmarmos nosso compromisso social de profissionais da Psicologia e dispormos de instrumentos simbólicos e interpretativos contra a manutenção de dispositivos psíquicos destrutivos. Observamos em diferentes áreas e abordagens que essa escuta psicológica é uma parte do processo, que tão somente pode ocorrer se houver a comunicação humana completa. Para tanto, a alteridade é anunciada pela constituição na relação do ser em sua copresença. Por isso, afirma-se o dialógico como fundamento da prática em que o fazer psicológico se constitui unicamente com a experiência compartilhada da alteridade de forma integral.
O agravamento intencional da crise econômica brasileira pela força de interesses econômicos tornou o cenário político ameaçador para o desdobramento de relações intersubjetivas saudáveis. Oriundos de um processo colonial, todos os ciclos econômicos até o final do século XIX se articularam pela manipulação da força de trabalho humana escrava, tanto negra quanto indígena. Com efeito, criamos uma percepção de coletividade e de identidade baseada na degradação do outro: existimos em completude desde que haja necessariamente a exploração do outro. Esse outro foi impedido de ser legitimado e ser reconhecido em sua integridade, a ponto de coletivamente sermos capazes de reconhecer o sofrimento de nossos antepassados imigrantes e empobrecidos europeus, mas de faltar disposição psíquica para reconhecer esse mesmo sofrimento nas populações indígenas ou negras.
Não bastasse a falta de recursos interpretativos para esse tipo de sofrimento, com a mesma intensidade contrária está o sadismo dessa relação, visto que a satisfação egoica demanda que a alteridade em sofrimento justifique nossa satisfação. Desta patologia social se estrutura uma dinâmica social de ódio, promovendo mais sofrimentos pela polarização dos marcadores sociais.
Constatamos nas manifestações de ódio, dispositivos que ressignificam gênero velando-se pelo pessoalismo, como foi metaforicamente a discriminação contra a mulher pela violenta e brutal exposição do órgão genital feminino em adesivos de carro com a imagem da presidente. Segundo, por exposições seletivas, distorcidas e parciais de informações, o ódio vela durante o mesmo ato e espaço personalidades políticas acusadas de corrupção marchando contra a corrupção. Por essa seleção obscurece-se a historicidade de partidos políticos e seus membros contra uma única legenda.
As manifestações de ódio ridicularizam a razoabilidade cotidiana traduzindo traumas transgeracionais relativos a perseguições, abusos, extermínios e apropriações territoriais na cor vermelha e no símbolo de legenda partidária. Para entender esse tipo de distorção perceptual, já se tornou corriqueiro que, durante essas manifestações de ódio, a agressão física ou ameaças acontecessem por motivos espúrios, como uma vestimenta de cor vermelha.
Outro aparato que agrava as manifestações é causado pela pouca redução de privilégios do status quo, como aparecem nos discursos de manifestantes contra programas sociais e ações afirmativas. Por falta de informação e pela crença ingênua em personalidades políticas, não são informados os benefícios amplos, como o aquecimento do comércio interno brasileiro pelo Bolsa Família, a possibilidade de vagas em instituições privadas de ensino pelo PROUNI e FIES e instrumentalização científica e a expansão das ações de agências de turismo pelo programa Ciências Sem Fronteiras.
Por essa mesma complexidade podemos saudar que, hoje, ser Psicóloga ou Psicólogo não é mais um privilégio de uma classe social, uma identidade sexual e uma cor de pele. Somos muito mais plurais e podemos discordar e discutir para encontrar dialogicamente dispositivos que minimizem o sofrimento psíquico. Afastar-se da complexidade da dinâmica social é atestar a escolha pela desinformação – como diria Sartre, escolhendo agir pela má-fé.
Se consideramos que momentos de crise podem oportunizar algumas mudanças de percepção e novas ressignificações, sabemos que não há espontaneismo que construa estados subjetivos saudáveis. É preciso a implicação e a prontidão profissional nesse momento para que, pela disposição do diálogo autêntico – generosidade resultante da vontade e interesse de copresença com a alteridade –, criarmos rupturas no movimento de ódio. Para nós, Psicólogas e Psicólogos, o Estado Democrático pode ser desenvolvido em benefício da sociedade, e sem o diálogo autêntico o Estado de Ódio intensificará tão somente ações de degradação do outro.