Ao analisarmos os últimos acontecimentos no contexto da educação, é notória a importância do debate público sobre a atuação de profissionais da Psicologia e do Serviço Social na educação básica – cuja presença nas escolas está prevista pela Lei nº 13.935/2019. Levando em consideração essa questão, a Comissão de Psicologia Escolar e da Educação do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) produziu uma carta-compromisso com ações necessárias na prática profissional que atendam a um projeto educacional emancipatório, enfrentando os desafios encontrados por estudantes e toda a classe trabalhadora escolar.
O documento foi articulado no primeiro “Fórum de Psicologia Básica e Escolar”, realizado na última semana de maio (27), que teve como propósito para a categoria profissional e estudantil o diálogo sobre a integração da Psicologia no sistema educacional básico.
Para a psicóloga Fabíola Regina Ortega (CRP-08/17317), professora e palestrante do encontro, um dos momentos marcantes foi o resgate histórico do caminho percorrido pela categoria, desde a elaboração de referências técnicas ao embasamento legislativo do trabalho psicológico na educação. “Eventos como o Fórum são importantes para que seja reforçado o que defendemos quanto à atuação profissional de Psicologia na atenção básica. Esses momentos de troca fortalecem a colaboração e a construção da prática, ajudando na mobilização profissional, em nossa prática e na percepção crítica para construirmos uma educação emancipatória de qualidade”, afirma a profissional.
O documento final recém-lançado destaca a promoção de discussões que envolvam a relação de trabalho de profissionais da Psicologia e do Serviço Social em diferentes esferas educacionais, desde o envolvimento entre o corpo docente, responsáveis legais e demais pessoas envolvidas no contexto educacional, até a descentralização das ações e o envolvimento de toda a comunidade na integração de redes de apoio para estudantes.
Para o coordenador da Comissão de Psicologia Escolar e da Educação, psicólogo Pedro Braga Carneiro (CRP-08/13363), a atuação na esfera escolar deve acontecer de maneira interdisciplinar, retirando a concepção de ações segregadas. “É necessário que profissionais da Psicologia, Pedagogia, Serviço Social e de outras áreas de conhecimento que envolvem a educação básica atuem de forma alinhada, integrando a promoção desse objeto complexo que é a atuação no ambiente escolar.”
O fazer psi no processo educacional
A carta-compromisso também se posiciona em relação às proposições da Lei nº 13.935/2019, reforçando a integração de profissionais e sua atuação no ambiente escolar. Há uma preocupação em garantir que as dimensões do atendimento às crianças e adolescentes sejam integradas, dentro e fora da escola.
Para a Comissão, é de suma importância a reflexão crítica durante os processos de avaliação, tendo o foco na promoção de melhores estratégias de aprendizagem para toda comunidade educativa, sem a culpabilização do sujeito por eventuais faltas no desempenho escolar esperado, “levando em consideração a complexidade que a educação abrange e os diversos atores e sistemas envolvidos.”
Além dos desdobramentos voltados ao fazer profissional, outro ponto trabalhado no documento é o envolvimento de pautas anticapacitistas, étnico-raciais, de diversidade e gênero, argumentando a favor do diálogo amplo e aberto de tais questões no ambiente escolar. Reforçando sua percepção sobre uma integração dinâmica entre a Psicologia e sua participação nos espaços de aprendizagem, o psicólogo Pedro conta que a carta-compromisso traz essa possibilidade da promoção de atividades que combatam discriminações e violências, com o foco na equidade e respeito.
“A escola é um espaço bastante privilegiado no sentido de congregar diversos segmentos da sociedade. Com isso vem a oportunidade para aprofundar alguns debates absolutamente necessários na nossa sociedade, como as pautas de combate a diversos tipos de opressões, discriminações e preconceitos, para que o debate não esteja tão somente em eventos extracurriculares, mas que ele possa permear as disciplinas e matérias de forma orgânica, intrínseca ao cotidiano educacional”.
Coordenador da Comissão de Psicologia Escolar e da Educação, psicólogo Pedro Braga Carneiro (CRP-08/13363)
Para além da promoção de espaços seguros e acolhedores, a Comissão de Psicologia Escolar e da Educação busca refletir sobre como se compreende a violência escolar. Neste sentido, uma análise expandida sobre o fenômeno aborda não apenas a ação individual, mas também a falta de infraestrutura necessária para o desenvolvimento da educação com qualidade. O coordenador da Comissão conclui que é urgente reivindicarmos “um projeto societário mais justo, equânime e digno para essas pessoas é uma forma de engajamento e promoção de uma cultura de paz”.
Leia a íntegra da carta-compromisso abaixo:
CARTA-COMPROMISSO DA PSICOLOGIA ESCOLAR NO CRP-PR
Em 27 de maio de 2023, reuniram-se na sede do CRP-PR em Curitiba profissionais e estudantes que atuam no campo da Psicologia Escolar e Educacional.
O fórum, organizado pela Comissão de Psicologia Escolar e Educacional do CRP-PR, teve como objetivo debater conceitos, práticas, avanços e desafios na área. Os debates centram-se especialmente nos âmbitos da educação inclusiva, das articulações entre Psicologia e o trabalho docente/pedagógico e do desafio da superação da violência no contexto da Educação Básica.
Como produto destes ricos diálogos, compreendemos que a atuação em Psicologia na Educação deve se pautar em um projeto educacional emancipatório, contribuindo para o ensino e a aprendizagem a partir de nosso Compromisso Social, em favor da qualidade de vida da classe trabalhadora.
Deste modo, identificamos uma série de possibilidades práticas de atuação que materializam esse compromisso, que estendemos a toda categoria profissional como estímulo para um fazer coerente com os desafios contemporâneos:
– Ampliar a discussão na escola com o corpo docente e discente sobre a função do Psicólogo Escolar;
– Fomentar espaços de formação profissional reafirmando as identidades dos profissionais no processo de educacional dos estudantes;
– Possibilitar processos formativos dentro das unidades escolares tendo em vista as realidades individuais de tais unidades;
– Promover espaços de diálogo entre Escolas e Instituições de Ensino Superior, a fim de contribuir com os processos formativos dos cursos de Psicologia e das Licenciaturas em relação ao ensino de Psicologia da Educação;
– Integrar as redes de atendimento à criança/adolescente possibilitando a comunicação dos profissionais que as atendem dentro e fora da unidade escolar, privilegiando uma visão integral/não fragmentada dos estudantes;
– Fomentar espaços de escuta e acolhimento aos profissionais da educação enfatizando aspectos referentes à saúde mental e o sofrimento psíquico;
– Fomentar a formação continuada por meio da instauração de estudos de caso que podem acontecer em duas dimensões: estudo de caso individual, no qual o corpo docente se debruça sobre a criança/adolescente e desenvolve estratégias alcançáveis para a superação de suas dificuldades; e o estudo de caso institucional, tendo em vista questões mais amplas que atravessam o cotidiano escolar.
– Atuar para que as avaliações psicológicas no contexto educacional sejam coerentes com esse lugar, levando em consideração a complexidade que a educação abrange e os diversos atores e sistemas envolvidos;
– Pautar a prática em Psicologia Educacional no anticapacitismo e na desconstrução da medicalização e patologização dos sujeitos – ainda tão presentes na sociedade;
– Orientar a prática profissional para a promoção da inclusão por equidade – e não apenas igualdade.
– Compreender a violência como fenômeno complexo, e reconhecer de forma contextualizada suas manifestações no ambiente escolar.
– Reconhecer o caráter multifacetário da violência, que se manifesta não apenas nas relações de agressão entre indivíduos, mas também na falta de investimentos e de condições materiais para garantia de direitos do público escolar.
– Ampliar o debate sobre violência para além da disciplina e indisciplina, promovendo espaços seguros e acolhedores para estudantes, familiares e trabalhadoras(es) da educação.
– Refletir junto à comunidade educativa sobre fenômenos como a autolesão, violência autoprovocada, ideação suicida e temas correlatos, a fim de encontrarem estratégias protetivas conjuntamente.
– Colaborar com uma educação comprometida com a defesa de direitos de populações minorizadas.
– Contribuir para o desenvolvimento de uma comunicação não-violenta no contexto escolar.
– Descentralizar as mediações de conflitos das equipes de Psicologia, incentivando e qualificando todo o corpo funcional da escola a se envolver nessa prática de forma não-punitiva.
– Trabalhar aspectos emocionais de forma orgânica no cotidiano escolar, a partir das interações próprias destes espaços.
– Auxiliar educadoras(es) a reconhecerem seu papel e seus atravessamentos ante a violência que transpassa o contexto escolar.
– Mobilizar a comunidade educativa para diálogos sobre temas socialmente relevantes – como questões étnico-raciais, sexualidade e gênero, diversidades e preconceitos, instrumentalizando docentes nestes debates.
– Ajudar a comunidade educativa a identificar como as violências do sistema capitalista impactam nas relações na escola.
– Incentivar o papel da escola no desenvolvimento de repertório relacional para o bem-viver.
– Fomentar espaços democráticos de debate e decisão coletiva sobre os problemas da escola.
Fórum de Psicologia e Educação Básica
Conselho Regional de Psicologia do Paraná, 27 de maio de 2023.