Temos muito a comemorar!
No dia 4 de abril de 2023, comemoramos um ano da confirmação de um ato inédito no Sistema Conselhos de Psicologia no Brasil. É a data em que foi publicada a atualização do Regimento Interno do CRP-PR, no Diário Oficial da União, que, entre outros aspectos, apontou a institucionalização da Comissão Étnico-Racial (CER) no corpo de comissões permanentes deste Conselho, ao lado das comissões de Ética (COE), de Orientação e Fiscalização (COF), de Direitos Humanos (CDH) e Comunicação Social (CCS).
Mas o que isso significa para as pessoas que atuam como profissionais da Psicologia no Paraná?
Podemos começar compreendendo que tal ação não se deu de maneira isolada ou repentina. Para que isso tenha sido efetivado, muitas(os/es) profissionais da Psicologia do nosso Estado se empenharam por anos, pois entenderam, ao longo de sua formação e prática profissional, a urgente necessidade de alçar o debate sobre as questões étnico-raciais ao ponto basilar de nossa prática.
Toda a trajetória de institucionalização da CER foi apoiada por profissionais, dentro e fora da Psicologia, negras(os/es), indígenas, amarelas(os/es) e brancas(os/es), que estavam trilhando caminhos distintos em torno da questão racial, e que foram, aos poucos, unindo-se sob o mesmo escopo: a urgente necessidade de a Psicologia paranaense incluir os efeitos psicossociais do racismo em sua pauta de prática e formação, seja nos diferentes equipamentos do Estado, municípios ou na iniciativa privada.
No ano de 2015, começou a se formar o primeiro grupo da comissão que viria a se tornar, em 2016, a Comissão Temática de Relações Étnico-Raciais do CRP-PR. Participavam do grupo profissionais e estudantes de Guarapuava, a saber, Jefferson Olivatto da Silva (CRP-08/13918), Fernanda de Oliveira Pavão Mascarin (CRP-08/18906), Rafaela Mezzomo (CRP-08/15360), Cristiano Carneiro (CRP-08/11022), Thais Rodrigues de Souza (CRP-08/23443), Katia Margarete Ferreira da Rosa (CRP-08/16055) e estudantes de Psicologia da Faculdade Guairacá.
Em 2016, após a aprovação enquanto Comissão Temática, o grupo realizou uma pesquisa censitária no Estado sobre a implicação e reconhecimento de psicólogas(os/es) paranaenses sobre a questão étnico-racial, e organizou, com o apoio do CRP-PR, o um evento específico sobre o tema, intitulado “Psicologia e Práticas Profissionais para o combate ao Racismo”. A palestra aconteceu na Unicentro (Campus Guarapuava) e teve a participação de Miriam Alves, Edelu Kawahala e Margareth Rosa.
Naquele mesmo ano, reuniões e encontros do grupo também possibilitaram a criação do Caderno de psicologia e relações étnico-raciais: diálogos sobre o sofrimento psíquico causado pelo racismo, produção assinada coletivamente pelas pessoas colaboradoras, e que foi pensada a partir dos questionamentos de profissionais sobre a temática étnico-racial em diferentes áreas, tais como educação, adoção, assistência social e saúde mental.
Pela legitimidade do Conselho, a comissão pôde ter representação nas plenárias, bem como contou com o apoio estratégico para difundir a ideia de um grupo estadual com a realização de encontros em Guarapuava, Pitanga, Ibiporã, Londrina, União da Vitória e Curitiba, que posteriormente foi ampliada para encontros on-line, a fim de favorecer a maior integração de colaboradoras(os/ies) de todo o Paraná.
A comissão permaneceu atuando a partir da concepção de que a “Psicologia como ciência da subjetividade humana em suas diferentes dimensões pode fornecer subsídios consistentes para explicar fenômenos como apatia social, vínculos, desenvolvimento psicossocial e os efeitos psíquicos do racismo nas relações humanas”, em prol dos objetivos difundidos desde a criação do Caderno Temático: “explicar o sentido social de racismo e seus efeitos psíquicos; apresentar a amplitude do racismo nas relações intersubjetivas das diferentes áreas da Psicologia; levantar reflexões acerca das práticas profissionais relacionadas às questões étnico-raciais em diferentes áreas de atuação”.
A articulação de membros da CER oportunizou a ampliação das ações, tal como ocorreu na Setorial de Campo Mourão, com a mesa-redonda Sankofa: é preciso Enegrecer, Pintar de Jenipapo e Urucum a Psicologia, na qual a psicóloga Vanessa Terena (CRP-14/07450-9), do CRP-MS, e o psicólogo paranaense Paulo Vitor Palma Navasconi (CRP-08/25820) apresentaram questões sobre a Psicologia antirracista, antimanicomial e antiproibicionista, evidenciando uma ciência diversa e não hegemônica, com mediação da psicóloga Griziele Martins Feitosa (CRP-08/09153).
Entre diferentes modalidades de ações e materiais desenvolvidos pela CER ao longo dos anos, apenas em 2022, após árduo processo de convencimento e debate em diversas instâncias do Sistema Conselhos, a comissão foi, finalmente, integrada como permanente no Regimento Interno do CRP-PR.
Em 2022, também foi possível comemorar os 60 anos da Psicologia brasileira, sob o tema “Há 60 anos ressignificando a história”, com uma mesa-redonda enegrecida, isto é, totalmente composta, pela primeira vez, por psicólogas(os/es) palestrantes negras(os/es). A íntegra do evento está disponível no YouTube.
Ainda no ano passado, a CER participou da organização, seleção e entrega do Prêmio Anual de Direitos Humanos do CRP-PR – edição Cleia Oliveira Cunha, que tem como objetivo identificar, valorizar e fomentar ações de psicólogas(os/es), coletivos e grupos que envolvam a Psicologia na redução das desigualdades sociais e no posicionamento antirracista, antiproibicionista e antimanicomial.
Em 2023, os desafios da CER continuam…
No primeiro ano em que a comissão atua enquanto permanente no CRP-PR, o trabalho, os enfrentamentos e os desafios continuam. A representação da comissão em diferentes espaços, por meio da participação das pessoas que a compõem, amplia cada vez mais as suas possibilidades de articulação.
Nesses quatro primeiros meses, a representação na Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças do CFP (Apaf), ocorrida em Brasília, possibilitou importantes articulações e fortalecimento da comissão. Foi também nesse período que ocorreu a mesa de abertura do Planejamento Estratégico do CRP-PR, espaço no qual a CER apresentou as ações que pretende desenvolver ao longo do ano, além de ter sido criado o Núcleo Psicologia e Povos Indígenas.
Cada passo dado na trajetória da Comissão Étnico-Racial se faz em busca da construção de uma Psicologia ética, e, portanto, implicada em seus efeitos subjetivos e sociais, assim como nos efeitos das diferentes formas de opressão que (ainda) afetam frontalmente o fazer de profissionais da Psicologia. Nesse sentido, devemos nos esforçar para construir e acionar ferramentas teórico-práticas em Psicologia que possibilitem a escuta cuidadosa e a atuação sobre os efeitos psicossociais do racismo, em consonância com as perspectivas decoloniais. Se entendemos que negligenciar esses aspectos fere a ética da atuação na Psicologia, é preciso pensar e desenvolver espaços institucionais que possibilitem uma atuação à altura dos desafios que a sociedade impõe à profissão.
No período de sua existência, a CER já foi instituída enquanto comissão temática, deixou de existir de forma institucionalizada e retomou sua institucionalidade, para, somente após anos de existência e embates, tornar-se permanente. Faz-se indispensável rememorar esse passado, para pensar os passos presentes – imaginando e agindo para uma Psicologia antirracista por vir – tal qual o Sankofa, símbolo da africanidade brasileira, que nos ensina que não é errado olhar para o passado, em busca de sabedoria e daquilo que não pode ficar para trás, por um futuro melhor.