No Dia Internacional contra a LGBTIfobia (17 de maio) o Sistema Conselhos de Psicologia comemora mais um avanço: a publicação Resolução CFP nº 8/2022, que estabelece normas de atuação para profissionais da Psicologia em relação às bissexualidades e demais orientações não monossexuais, nas quais a atração afetivo-sexual está direcionada a mais de uma identidade de gênero. A Psicóloga Angela Aline Haiduk Rosa (CRP-08/21752), conselheira e representante do CRP-PR no Comitê LGBTI+ da Secretaria estadual da Justiça Família e Trabalho (Sejuf), destaca que “ter uma resolução que reconhece essas identidades, diferenciando-as das homossexualidades e heterossexualidades, possibilita que essa população seja reconhecida em sua individualidade”.
“Enquanto profissionais da Psicologia, precisamos atuar para a construção de ambientes acolhedores, contra a produção de discursos moralizantes que estigmatizam, medicalizam e violentam essa população, compreendendo que nossa atuação pode levar a reflexão e eliminação da LGBTfobia, bifobia e do preconceito em relação às pessoas com orientações não monossexuais.
Confira abaixo a entrevista completa, em que a profissional lembra os principais avanços na garantia de direitos a esta população, a importância da nova Resolução e as principais pautas que o CRP-PR deve levar para o Comitê LGBTI+.
CRP-PR: O Sistema Conselhos vem incidindo historicamente nas pautas LGBTQIA+, seja na forma de orientações à categoria ou no âmbito do Controle Social e nos espaços legislativos. Quais foram os principais avanços neste sentido nas últimas décadas?
Angela Aline Haiduk Rosa: No dia 17 de maio de 1990, após um histórico de manifestações da comunidade LGBTQIA+, a Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a homossexualidade do rol de doenças da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID), sendo essa data um dia internacional da luta contra a LGBTIfobia.
É fundamental que a Psicologia esteja atenta a essa pauta pois, enquanto ciência e profissão, nós somos produtores de teorias e técnicas que respaldam o cotidiano dos profissionais da área no atendimento ao público LGBTQIA+. Importante destacar que a nossa profissão foi se constituindo e avançando em direitos, no país que mais mata pessoas travestis e transexuais, que mais agride LGBTs, impedindo a eles uma construção segura da subjetividade.
A Psicologia tem um histórico de ações na defesa dos princípios fundamentais dos direitos humanos. O Código de Ética do Profissional Psicólogo estabelece que este “baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano”. Sendo assim, o Sistema Conselhos, ao longo dos anos, foi constituindo uma série de notas técnicas e resoluções que contemplam o respeito à diversidade.
A construção da Resolução nº 01/99, que estabelece normas de atuação para Psicólogas(os/es) em relação à questão da orientação sexual, surgiu para suprir uma demanda da sociedade em relação a problemas éticos e técnicos no atendimento a essa população. Posterior a esse avanço, um movimento de Psicólogas(os/es) com vistas a possibilitar as terapias de reversão sexual entrou com pedido de suspensão dessa normativa e o Conselho Federal de Psicologia se posicionou juridicamente, tendo decisão favorável à manutenção desta lei.
A partir desse movimento, novas denúncias de pessoas submetidas a terapias de “reversão sexual” chegaram à Comissão dos Direitos Humanos e foi necessário construir também a Resolução nº 01/18, que estabelece normas de atuação para Psicólogas e Psicólogos em relação a pessoas transexuais e travestis. Hoje como categoria podemos comemorar, por exemplo, a alteração da nossa CIP (Carteira de Identidade Profissional) que possui um campo para destacar o nome social, sendo possibilitado a profissionais trans e travestis serem reconhecidas(os/es) por seu nome na atuação profissional. Essa e tantas outras lutas se tornaram possíveis por movimentações internas dentro das comissões de direitos humanos do Sistema Conselhos, mas também em articulação com os movimentos LGBTs, instâncias de controle social e incidências legislativas feitas por profissionais da área.
Em 2019, o Conselho Federal de Psicologia, em conjunto com os Conselhos regionais, organizou o livro “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs” que revela uma série de depoimentos de pessoas afetadas por trabalhos de Psicólogos e Psicólogas em sua atuação profissional. Tais denúncias também nos mostraram a necessidade de avançar nessas Resoluções.
Em 2022, estivemos presentes na Assembleia de Políticas, da Administração e das Finanças (Apaf), que votou por unanimidade pela aprovação da Resolução que estabelece normas de atuação para profissionais da Psicologia em relação às bissexualidades e demais orientações não monossexuais, não contempladas devidamente nas resoluções anteriores. Ademais, fomos empossados no Comitê Estadual LGBTQIA+, podendo levar tais informações e produções a toda sociedade.
Entendo que esse seja um trabalho constante, visto que são constantes as cenas de violações que essa comunidade sofre diariamente, e compreendo que a Psicologia pode colaborar para a construção de espaços acolhedores e sem julgamento, que respeitem a autonomia e a autodeterminação das sexualidades, respeitando as individualidades e contribuindo para a construção de conhecimento na área e na eliminação da discriminação e estigmatização dessas pessoas.
Que avanços esta nova Resolução traz e qual a importância de um documento com foco nesta população?
As resoluções anteriores possibilitaram uma maior defesa na luta contra LGBTIfobia, principalmente em relação à proteção de lésbicas, gays, travestis e transexuais, mas compreendo que ainda há muito que se construir teoricamente e tecnicamente em relação às bissexualidades e demais relações não monossexuais, quando a atração afetivo-sexual está direcionada a mais de uma identidade de gênero. Ter uma resolução que reconhece essas identidades, diferenciando-as das homossexualidades e heterossexualidades, possibilita que essa população seja reconhecida em sua individualidade. Enquanto profissionais da Psicologia, precisamos atuar para a construção de ambientes acolhedores, contra a produção de discursos moralizantes que estigmatizam, medicalizam e violentam essa população, compreendendo que nossa atuação pode levar a reflexão e eliminação da LGBTIfobia, bifobia e do preconceito em relação às pessoas com orientações não monossexuais.
O CRP-PR passou a compor, em 2022, o Comitê LGBTI+ da Secretaria estadual da Justiça Família e Trabalho (Sejuf). Quais são as pautas prioritárias que o CRP deve levar para este espaço?
Compor espaços de controle social, possibilita que estejamos em acesso constante com as demandas dessa população e também que façamos repasses mais frequentes das construções que a Psicologia vai construindo nesse campo. Participar desses espaços garante a construção de direitos sociais que possam colaborar para a diminuição dos processos de estigmatização e combate da LGBTIfobia.