Nós, participantes do I Fórum Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) realizado durante o XII Congresso de Pesquisadoras(es) Negras(os) (COPENE), reunidas(os) no dia 14 de setembro de 2022 na Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), em Recife, ratificamos o compromisso o compromisso por uma Psicologia antirracista firmado durante o I Encontro Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) sobre Relações Interraciais e Subjetividade no Brasil (I PSINEP), realizado no ano de 2010, em São Paulo.
A Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) – ANPSINEP, neste ano de 2022, completa 12 anos. Desde a sua fundação no I PSINEP, tem desenvolvido diversas ações que representam marcos históricos na luta antirracista, por meio da mobilização de psicólogas(os), estudantes de psicologia, instituições de ensino e movimentos sociais por uma sociedade mais justa, igualitária e menos desigual para a população negra. Destacamos as ações e campanhas voltadas para a defesa da vida e da saúde mental da população negra, sobretudo das juventudes negras periféricas, vítimas dos sistemas de segurança pública e de justiça que operam por meio da seletividade penal encarceradora, que ceifam existências e interrompem sonhos e projetos de vida.
A ANPSINEP se inseriu e atuou no Sistema Conselhos de Psicologia, possibilitando a construção de referências técnicas, de resoluções, maior presença de psicólogas negras nas gestões do Conselho Federal de Psicologia (CFP) e dos Conselhos Regionais de Psicologia (CRPs) e o tensionamento para que a agenda da psicologia e das relações raciais fosse inserida nos debates políticos do fazer profissional da categoria. Ressaltamos a importância do resgate e reafirmação constante do compromisso social da Psicologia por todos os CRPs na perspectiva dos direitos humanos e no enfrentamento ao racismo, sobretudo nos territórios marcados pelo alto índice de mortes pela violência de Estado.
Após a primeira década, a Anpsinep afirma-se para a sociedade como uma entidade integrante do Movimento Negro Brasileiro organizando e atuando nacionalmente. Estes dez anos foram marcados por diversas ações voltadas para o enfrentamento do racismo que, de maneira eficaz, se atualiza e se mantém ativo, estruturando o Estado, as instituições, as relações sociais e as subjetividades da população brasileira. Neste ano de 2022, alertamos para o sofrimento psíquico e as misérias que marcam a existência do povo negro, agravadas com o advento da pandemia de Covid-19, em março de 2020.
Chamamos atenção para as violências produzidas pela ação e omissão do Estado brasileiro, omissões que levaram famílias negras a entrarem para o mapa da fome, da miséria, sem direito à terra e à moradia. Essas violências e o racismo religioso aniquilam corpos, vidas, culturas e religiosidades de matrizes afro-indígenas, famílias e comunidades negras em todo o país. O projeto genocida de nação se mantém ativo, se estrutura por meio do pacto narcísico e psicopático da branquitude. Em resposta, afirmamos a necessidade e a urgência de construção de um projeto social reparatório em dimensões simbólicas e materiais, que garanta para a população negra segurança alimentar, segurança sanitária, trabalho, moradia digna, acesso à saúde, à assistência social, à mobilidade urbana, ao Bem Viver. Portanto, defendemos o fortalecimento das políticas públicas conquistadas nesses últimos anos, como o Sistema Único de Saúde (SUS) e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Entendemos que o racismo estrutural e institucional não existe alheio à ação humana. Ao contrário disso, são as instituições geridas e operadas por pessoas brancas que colocam em prática os mecanismos mais sofisticados e cruéis de opressão. Convocamos as autoridades de instituições públicas e privadas de ensino e pesquisa em psicologia, aquelas que regulam e fiscalizam a profissão, entre outras tantas, a se responsabilizarem e se comprometerem politicamente com o enfrentamento ao racismo. Entendemos que esse enfrentamento precisa ser concretizado, para dentro e para fora das instituições, tal como o são as dores e os danos provocados pelo racismo.
Compreendemos que os currículos de formação superior ainda estão inseridos numa lógica eurocêntrica reproduzindo narrativas coloniais de exaltação à brancura, manipulando, distorcendo e apagando a rica história dos povos originários e africanos do continente e em diáspora. Por isso enfatizamos a urgência de se implementar integralmente e em escala nacional a Lei 11.645 de 2008, que obriga a inclusão do ensino da história indígena e africana nas redes educacionais.
O epistemicídio é fruto de um projeto de poder que produz lugares de privilégios para a branquitude e de subalternização para a população negra e indígena. A negação de acesso, a destituição da razão e do lugar de saber afeta diretamente estudantes negras(os) dos cursos superiores, deslegitimando enquanto produtoras(os) de conhecimento. Tal fenômeno traz efeitos devastadores na saúde mental, tanto nas barreiras impostas para acessar, permanecer e concluir o curso superior, quanto no sofrimento psíquico agravado que tem resultado em altos casos de suicídio. Entendemos ser urgente que as instituições de ensino superior formulem ações destinadas ao cuidado em saúde mental para promover, além do acesso, a permanência com saúde às universidades.
Diante do agravamento e da ameaça à existência da população negra e indígena pelo atual projeto de governo que reproduz inúmeras violências perpetuadas pelo racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, defendemos um projeto de nação que esteja orientado pelo direito à vida e ao Bem Viver. Reafirmamos a importância das representações negras na política institucional de forma comprometida com a defesa radical dos direitos fundamentais e com a operacionalização das políticas sociais existentes.
Como no ano de 2010, as reflexões aqui apresentadas sintetizaram os intensos e emocionantes diálogos travados nesse dia de encontro. A Carta de Recife aponta decisivamente para um compromisso de todas(os) as(os) presentes com a construção de uma psicologia efetivamente comprometida com a superação do racismo brasileiro. Para isso, compreendemos ser de grande importância que o Fórum Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) se torne atividade permanente a ser realizada no âmbito do COPENE quando este ocorrer.
Assinam esta carta as(os) participantes presentes no I Fórum Nacional de Psicólogos(as) Negros(as).
Recife, 14 de setembro de 2022.