Uma série de 50 desafios propostos por “curadores” e que já levou jovens a tentar ou cometer o suicídio está preocupando a sociedade nos últimos dias. Pouco se sabe sobre o jogo em si, que teria começado como uma notícia falsa e agora pode ter se tornado real. Algumas investigações apontam que os adolescentes são convidados a participar de grupos secretos e, a partir disso, recebem as tarefas, sendo a última tirar a própria vida.
Independentemente da origem do Baleia Azul, no entanto, a Comissão de Psicologia Clínica do Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) destaca alguns pontos de reflexão:
Desafios da adolescência e vulnerabilidades
O público-alvo do jogo são os adolescentes, tendo vitimado vários deles até agora. Sabe-se que esta fase da vida implica muitos desafios por si só. Por estar saindo da infância – em que era colocado como objeto, ser pertencente – para a adolescência – fase na qual passa a ser sujeito desejante e precisa se separar dos pais idealizados – o jovem pode enfrentar angústia e alguns desafios: afirmação pessoal, identificações ou não-identificações com grupos, momentos de oposição à família e à sociedade, entre outros. Isto pode ser agravado pelo bullying, pela violência doméstica, abusos sexuais e outras vulnerabilidades às quais o adolescente pode estar sujeito, como, por exemplo, a depressão. É, portanto, um período sensível no qual também as famílias têm dificuldade em lidar com as mudanças e atitudes dos seus filhos. Por isso, o engajamento no desafio do Baleia Azul pode ser mais um movimento de busca, e todos os fatores acima mencionados seriam possíveis gatilhos para iniciar o jogo.
Em um caminho solitário de perdas e frustração, não é raro encontrarmos nos adolescentes um desejo de morte maior do que de vida, visto que o seu ‘eu’ está identificado, aqui, com a perda, e seu humor está instável por conta de tantas cobranças que o mundo faz.
A morte pode ganhar um estatuto restaurador, de colocar o sujeito em uma posição de falta ao outro, eternizando, assim, um lugar. É aí que o adolescente começa a fantasiar a sua própria morte.
A internet como porta de entrada
Outro ponto importante a ser observado é o fato de que há uma espécie de sedução para ingressar no jogo por meio de páginas ou grupos em redes sociais, que atraem os adolescentes exatamente pelas suas fragilidades, sejam elas a obesidade, a dificuldade de relacionar-se com outros da mesma faixa etária ou qualquer outro fator no qual resida sua vulnerabilidade.
Porta trancada
Uma vez dentro do jogo, o adolescente não vê possibilidade de retorno. O que chama a atenção é que os tais “curadores” ou “chefes” do jogo ameaçam os whales (whale, em inglês, significa baleia, e assim são conhecidos os jogadores) dizendo que prejudicarão aqueles que fazem oposição. São ameaçadas, principalmente, as famílias dos jogadores, causando uma pressão absurda para que continuem até o fim.
Vínculo com a família
Uma reflexão surge diante disso: se os adolescentes entram no Baleia Azul pela oposição que fazem aos que os cercam, então por que as ameaças que sofrem os impedem de sair? Se realmente não houvesse um vínculo muito forte ligando-os às famílias, então não seria esta ameaça que os manteria ativos no desafio. Nisto podemos ver algo de positivo. Ou seja, há sentimento entre os adolescentes e suas famílias. Mesmo estando oculto por conta de comportamentos aversivos. Há nisto a possibilidade de reagir a esta onda de depressivos e perdidos meninos e meninas que buscam em qualquer coisa, e hoje principalmente no mundo virtual, o que não encontram em si mesmos e nos que o rodeiam.
Como os pais podem ajudar seus filhos?
Para os pais, esta fase dos seus filhos pode ser bastante árdua. Recuar não é, de forma alguma, a melhor escolha. A autora Sonia Alberti, no seu livro O Adolescente e o Outro, pontua: “É preciso mais uma vez uma boa dose de investimento, de dom de amor, de aposta da parte dos pais, para suportarem seu próprio aniquilamento através dos filhos”. Freud descreve esse processo como a construção de um túnel, cavado pelos dois lados, nem sempre em linha reta, mas que tem quer ser bem estruturado para permitir a travessia.
Conversar com os filhos, manter-se próximo e oferecer um lugar de acolhimento pode ajudá-los. Às vezes, uma busca externa pode ser imprescindível para propiciar um lugar de fala e escuta.
Psicologia como amparo
Por isto, é papel de todos nós, Psicólogas(os) e tantos outros profissionais importantes para a manutenção da saúde coletiva e individual, estarmos atentas(os) e preparadas(os) para atuar no sentido de fortalecer adolescentes e famílias dentro de suas possibilidades, limitações e potenciais, para que nossos jovens não precisem desse tipo de atitude para denunciar que precisam de apoio e para que as famílias e a sociedade estejam mais preparadas para tratarem do assunto com a seriedade e a empatia que merece.
Os 13 Porquês
Antes dos casos de suicídio envolvendo o Baleia Azul ganharem espaço na mídia, o tema já era tratado por outra razão. Ou por outras 13. O seriado lançado no Netflix, intitulado 13 Reasons Why (ou 13 porquês, em português), causou polêmica ao mostrar uma adolescente que comete suicídio e deixa 13 mensagens apontando razões para o ato extremo, relacionando-o a pessoas com as quais convivia e suas ações.
Preocupado com o impacto da discussão trazida à tona, o próprio Netflix disponibilizou o link para o site do CVV (Centro de Valorização da Vida) para incentivar as pessoas a procurarem ajuda. Dados do CVV apontam um aumento significativo de contatos desde então, mas a assessoria de imprensa da entidade ressalta que não é possível falar em redução nas mortes ou outros dados.
Segundo a Psicóloga e conselheira do CRP-PR Semíramis Amorim Vedovatto (CRP-08/06207), o seriado tem uma proposta chocante, mas nos leva a entender melhor as pressões na adolescência e a necessidade de ficarmos atentos aos sinais. “Precisamos de uma escola protetiva e de pais mais participativos. A série é um convite para colegas Psicólogos, educadores e pais para prestarem atenção nos sinais silenciosos que passam desapercebidos. Os adolescentes, sozinhos, não conseguem dar conta do sofrimento mental e o mostram com metáforas de desespero” diz, citando como exemplos os cortes de cabelo diferentes, roupas e maquiagens inusitadas, comportamentos antissociais, etc. “Tudo isso é reflexo de uma angústia imensurável, são pedidos de ajuda que nos convidam a repensar estratégias de promoção e prevenção à saúde”, finaliza a Psicóloga.