Anualmente, milhões de pessoas atravessam fronteiras no mundo todo em decorrência de conflitos armados, graves ameaças e violações de direitos humanos. Dentre os itens levados na mudança forçada, a língua materna sempre vai na bagagem, porém sem a garantia de que será utilizada em seu destino. No Dia Internacional da Língua Materna, 21/02, o CRP-PR destaca o respeito à primeira língua para a promoção do acolhimento humano e sensível à diversidade cultural.
Comunicação é um termo derivado do latim communicare, que significa tornar comum, compartilhar e trocar. Por meio dela, vínculos são estabelecidos com pessoas, lugares, culturas e memórias, sendo o idioma uma ponte dessa construção afetiva. Mas como manter a ponte intacta sem que haja alguém para ouvir e compreender as histórias que temos para contar? Avaliando a dinâmica brasileira, que frequentemente destitui a(o) migrante do seu lugar de sujeito, a Psicóloga Gabriela Teixeira (CRP-08/34768) recorre à frase de Ana Gebrim, pesquisadora de temas relacionados a refúgio e migrantes: “aquela(e) que não fala a mesma língua é literalmente silenciada(o) do atributo da fala”.
Coordenadora do Núcleo de Psicologia e Migrações do CRP-PR (Nupsim), Gabriela afirma que o atendimento psicológico na língua materna, ainda que paciente e Psicóloga(o) sejam fluentes noutro idioma comum entre elas(es), possibilita a circulação de culturas que se deparam frequentemente com muros. “Oferecer essa escuta é fundamental, pois há certas formulações e construções de narrativas que situam os sujeitos em sua história e na história da comunidade que só podem ser ditas na língua materna”, explica a Psicóloga, acrescentando que “ao escutar o sotaque da(o) Psicóloga(o) que fala a sua língua materna, é possível à(ao) migrante perceber as particularidades de seu próprio acento e da sua própria língua”.
Apesar disso, Gabriela reforça que é importante, no contexto clínico, ofertar à(ao) migrante a possibilidade de escolha da língua de atendimento, pois assim como uma língua estrangeira pode ser um impasse na comunicação, a língua materna pode representar experiências difíceis que impossibilitam a transmissão da narrativa.
A Psicóloga fala também de uma escuta que está incutida em ações além da oralidade e do diálogo imediatos, em demonstrações de atenção que geram um sentimento de que se é percebida(o), vista(o) e valorizada(o). Um exemplo disso é a tradução de materiais para línguas maternas e a presença de intérpretes nos serviços públicos, representando a possibilidade de acesso efetivo a direitos. “Assim, a experiência no país de acolhimento pode ser menos marcada pela violência e mais pela riqueza do que pode ser uma experiência migratória, já que a valorização da diversidade de culturas passa pela valorização das línguas”, avalia a profissional.
Desempenhar essa comunicação de modo confortável e acolhedor para quem precisa de escuta, na opinião de Gabriela, coloca profissionais numa rica modalidade de atendimento que é, ao mesmo tempo, desafiadora. Como ela observa no contexto migratório, muitas vezes apenas pelo francês, inglês ou português são estabelecidos diálogos com migrantes de países em que tais línguas não são maternas, mas sim o idioma do colonizador. “Seria necessário aprender lingala, crioulo, bantu, quéchua, guarani, suaíli e iorubá, ou ter a presença de intérpretes mediando os atendimentos? Há sempre prós e contas que cada atendimento nos impõe, e em sua singularidade seremos convocadas(os) a uma escolha”, reflete.
Ainda sobre a mediação de intérpretes, não bastam o conhecimento e a fluência na língua materna da(o) migrante, sendo fundamental a capacitação adequada para que se respeite o sigilo profissional nos casos em que a(o) intérprete não é Psicóloga(o). Também é preciso orientar a(o) tradutor(a) sobre como é realizado esse tipo de atendimento e oferecer-lhe acolhimento, visto que ela(e) vai escutar, muitas vezes, histórias difíceis, porém sem o mesmo preparo de um(a) profissional da Psicologia.
Que nesta data, as pontes da comunicação, da escuta e do acolhimento se solidifiquem em respeito às culturas diversas, suas línguas, acentos e histórias. Para saber mais sobre o atendimento a migrantes e refugiadas(os), acesse a página do Nupsim do CRP-PR e participe das reuniões abertas do Núcleo.