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A ancestralidade da língua materna indígena guarda conhecimentos e histórias únicas

Neste Dia Internacional da Língua Materna (21/02), data criada para incentivar a conscientização sobre a pluralidade linguística do mundo, a reflexão promovida pelo Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR) traz o enfoque para os desafios da preservação da linguagem indígena, rica em seus mais variados dialetos, que se distingue no reconhecimento da diversidade dos povos originários do país.

Segundo o Atlas de Línguas em Perigo, publicado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), somente no Brasil existem cerca de 190 línguas que podem desaparecer ou já foram extintas. 

Diante da evidente necessidade de preservar as linguagens indígenas, o Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, promove até abril de 2023 a exposição Nhe’ē Porã: Memória e Transformação”, que imerge visitantes na abrangência linguística índigena do Brasil, além de trazer a trajetória de uma população que vem testemunhando há séculos a extinção desde a invasão dos seus territórios.

Levando em consideração que grande parte da cultura índigena se desdobra nas narrativas e histórias contadas por meio da oralidade, quando perdemos uma língua toda uma soma de saberes também deixa de existir.

Esta gama de conhecimentos não são, muitas vezes, possíveis de serem recuperados. Muitas dessas histórias existem nas memórias das pessoas mais velhas de cada etnia, sendo assim repassados para as gerações seguintes. Entretanto, com o desaparecimento de certas línguas indígenas, essa troca acaba sendo cada vez mais inacessível.

Ensino da língua materna

Segundo o último censo do IBGE, publicado há mais de uma década, há no Brasil um total de 305 etnias que, somadas, contabilizam mais de 896 mil pessoas que se autodeclaram indígenas – os dados mais atualizados ainda estão em fase de coleta, e sua divulgação poderá transformar nossa percepção da realidade. A escassa e limitada compreensão da diversidade cultural dos povos originários interfere diretamente nas medidas necessárias para as comunidades indígenas, especialmente quando focamos no ensino da língua materna.

Para a estudante de Psicologia Ana Lúcia Ortiz Yvoty, pertencente à etnia Guarani Ñandeva, no oeste do Paraná, há uma barreira para o ensino da língua índigena às novas gerações. “Não há um projeto educacional que estruture de forma adequada isso dentro da escola indígena”. Em muitos Estados, é garantido que o ensino da língua materna seja feito dentro da escola, porém, ela explica que há poucas(os/es) profissionais indígenas que têm capacidade de ensinar a língua materna às(aos/es) alunas(os/es). Nesse sentido, o ensino do português acaba prevalecendo, deixando a língua materna em segundo plano.

Atuando em um problema secular

Desde a colonização do país, as ações de conversão dos povos indígenas foram permeadas pelo apagamento de suas culturas e tradições; mesmo com as mudanças, após séculos de processos civilizatórios, ainda observamos as marcas dessas ações retratadas no processo de restauração de tais conhecimentos e tradições. 

A iniciativa de cotas para ingresso de estudantes indígenas nas universidades e a formalização da proteção à língua materna, disposta no Art. 231 da Constituição Federal de 1988, são algumas das tentativas de reparo às comunidades indígenas. Entretanto, mesmo com o incentivo ao fortalecimento da educação, já são notáveis as consequências do esquecimento das suas tradições, comenta a estudante Ana Lúcia. “Já perdemos uma grande gama de diversidade das línguas indígenas, e se a gente não procurar fortalecer e prevalecer essa língua na nossa comunidade, vamos ter uma perda maior ainda.”

Como professora da língua Guarani, ela afirma que existe a necessidade de reafirmação da identidade e dos saberes ancestrais por meio do ensino, com a formação sendo feita por profissionais que tenham origem indígena. “Esse é um dos nossos desafios: ocupar esse espaço e tentar buscar essa preservação das nossas línguas maternas, da nossa cultura, do nosso modo de ser, que nós chamamos de ensino intercultural, dentro do território indígena”, destaca.

Neste sentido, o ensino bilíngue também surge como uma solução para a preservação da língua materna, fomentando o pertencimento à sua origem e, ao mesmo tempo, o contato com o mundo exterior que emprega a língua portuguesa.

“Nós indígenas também precisamos da língua portuguesa para poder garantir o nosso direito. A gente está em busca de uma estratégia de preservar todos esses nossos direitos, não só a língua materna, mas outros também que são garantidos pela lei”. 

Ana Lúcia Ortiz Yvoty, estudante de Psicologia

Memórias e o pertencimento de um povo

As narrativas contadas na língua materna de Ana Lúcia são memórias e histórias contadas por sua avó, que foram repassadas para sua mãe, depois para ela própria; agora, ela conta para seus filhos, e assim  sucessivamente. A ancestralidade das crenças e costumes reformulam seu pertencimento à tradição Guarani.

Revitalizar esses conhecimentos significa deixar vivo mais de 500 anos de vivência dos povos indígenas, sua relação com a natureza, as origens ancestrais de cada etnia, cada cultura própria que vive e ainda resiste em uma cultura verbal milenar de troca de saberes. 

Para Ana Lúcia, sua ligação com o idioma Guarani faz parte do seu entendimento na sua identidade própria: “A língua materna me fortalece enquanto indígena para que eu possa seguir nessa caminhada de forma mais leve, de poder me conectar de forma saudável com a natureza, de entender essas perspectivas. Essa conexão faz parte do ser que eu sou e dá essa continuidade ao sistema que é ser Guarani.”

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