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A 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental e os caminhos de reconstrução da Rede de Atenção Psicossocial

Descrição da imagem: Texto: 10 de outubro Dia Mundial da Saúde Mental. | Card nas cores azul e preto. Imagens de estrelas nas laterais do texto, abaixo logo do CRP-PR.

Por Ellen Nemitz, originalmente publicado na Revista Contato

A realização da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental (CNSM), cuja etapa nacional foi adiada diversas vezes e agora está prevista para acontecer de 11 a 14 de dezembro de 2023, de acordo com o Conselho Nacional de Saúde, é um marco na retomada da participação social nas políticas públicas do setor. A última edição havia sido realizada há mais de uma década, em 2010, e neste tempo o cenário nacional mudou consideravelmente.

A Lei nº 10.216/2001 muda o paradigma da internação como principal recurso de cuidado, abrindo caminho para a instituição dos equipamentos substitutivos da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) pela Portaria nº 3.088/2011, moldada ainda por uma série de outras resoluções e portarias governamentais que se seguiram ao longo dos anos. A RAPS, que se assenta na estrutura do Sistema Único de Saúde (SUS), ainda em sua implementação sofreu resistências e retrocessos que a minaram, em que pesem alguns avanços importantes.

São muitos os exemplos da dificuldade de implementação da RAPS tal qual prevista e a manutenção dos equipamentos existentes. Com relação aos novos serviços, o destaque fica por conta do baixo número de Unidades de Acolhimento Transitório e Serviços Residenciais Terapêuticos adicionados à rede ao longo da última década – sem esses equipamentos, bem como sem a oferta de cuidados em saúde mental adequados na atenção primária, não há como o modelo se sustentar.

Chama a atenção ainda a descaracterização de muitos CAPS que operam mais sob a lógica biomédica do que de fato regidos pela lógica da atenção psicossocial: é o caso de CAPS que funcionam como “ambulatórios” ou os recentes processos de hibridização (junção dos CAPS com CAPS AD) que têm ocorrido em Curitiba e região metropolitana.

Mais recentemente, a incidência da sociedade civil e de entidades que compõem o controle social, entre elas o Conselho Regional de Psicologia do Paraná (CRP-PR), vem conquistando alguns avanços. Mais lentos do que seria o ideal, mas ainda assim celebrados pelos movimentos da luta antimanicomial. Um dos destaques, neste sentido, é a destinação de um orçamento mais robusto para a RAPS, nutrindo um pouco esta rede tão negligenciada nos anos passados. É uma ação avaliada como tímida e demorada, por alguns setores técnicos, mas ainda assim fundamental para, aos poucos, desfazer alguns retrocessos na RAPS.

Além disso, a Portaria GM/MS nº 757/2023 revoga a Portaria GM/MS nº 3.588/2017 e dispositivos das Portarias de Consolidação GM/MS nº 3 e 6/2017, que instituíram os CAPS AD IV e outros instrumentos entendidos como manicomiais – ou seja, retrocesso à própria ideia da reforma psiquiátrica brasileira – “uma tímida iniciativa de combate à ambulatorização da RAPS”, segundo explica o assessor técnico de pesquisas do CRP-PR, Altieres Edemar Frei (CRP-08/20211). A reestruturação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) por meio das equipes e-Multi, com financiamento previsto e maior maleabilidade de composição das equipes, também compõe a lista de vitórias nas políticas de saúde.

O conselheiro do CRP-PR e professor da Universidade Estadual de Maringá, psicólogo Fábio José Orsini Lopes (CRP-08/09877), destaca que vivemos, atualmente, o fim dos retrocessos, a retomada da lógica antimanicomial no âmbito das políticas públicas e legislações. No entanto, há ainda entraves importantes a serem observados. “Não há a retomada da RAPS, efetivamente, porque existem iniciativas pontuais que mantêm o alerta, como os chamados CAPS híbridos que, ainda que sejam um investimento em CAPS, vão contra as lógicas da ideia de rede substitutiva”, ele exemplifica.

“Além disso, tem a questão das instituições não públicas, de longa permanência, como as autointituladas comunidades terapêuticas, termo do qual não gosto porque a comunidade terapêutica é um dispositivo reformista lá da década de 60, interessante do ponto de vista do funcionamento institucional, e essas instituições do Brasil não são comunidades terapêuticas porque elas não têm vivência comunitária, não têm programas terapêuticos baseados nessa vivência.”

O profissional, que estuda o tema e tem forte incidência no movimento em prol da luta antimanicomial, defende que as comunidades terapêuticas deveriam, idealmente, ficar totalmente de fora do financiamento público. “Elas devem ser desconsideradas como dispositivos de RAPS, deixar de receber recursos públicos. Poderiam existir dentro de normas e fiscalização rigorosas, mas sem recebimento de recursos, especialmente do SUS.”

Apesar deste cenário nacional um pouco mais positivo, o conselheiro ressalta que o Paraná está muito aquém no que diz respeito às políticas, que são pouco nítidas e bastante defasadas. “É certo que as regionais de saúde têm seus programas e suas ações, mas isso não está bem articulado em termos de política estadual”, explica.

O pesquisador Altieres lembra ainda que as ações de Redução de Danos no âmbito das políticas de álcool e drogas ou mesmo ações que freiam o retrocesso dos CAPS ainda se mostram insuficientes, e sintetiza o momento atual: “Revogamos algumas portarias nefastas e, de certa forma, foi possível dar o ‘cavalo de pau’ que a Sônia Barros comentou em uma de suas entrevistas, que bom. Mas, do mesmo jeito que desligar o motor de um barco não significa que ele parará de fluir para aquela direção, não basta propor o cavalo de pau, é preciso remar e remar. E essas remadas têm sido tímidas por parte do Governo Federal.”

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