Ontem, 24 de março de 2021, o Brasil alcançou a marca estarrecedora de 300 mil pessoas mortas pela covid-19. Compartilhamos a dor que cada uma dessas vidas perdidas representa e nos solidarizamos com as famílias e amigos que nesse momento ainda tentam elaborar seu luto. Após um ano da chegada do coronavírus ao país estamos passando pelo pior momento da pandemia, com a média de mortes diárias dobrando os piores números da pandemia em 2020. No Estado do Paraná, a média móvel é quase quatro vezes maior que os picos registrados anteriormente, o número de novos casos continua subindo e nossa capacidade de expansão do sistema de saúde chegou ao limite. Estamos em colapso.
Os sucessivos recordes de números de casos e de óbitos, de taxas de ocupação em hospitais e UTIs são resultado de uma série de problemas graves no enfrentamento à pandemia: a falta de coordenação de esforços em vários níveis, as informações desencontradas sobre a prevenção ao contágio, a enorme demora e morosidade na vacinação em massa, a falta de medidas de proteção e de condições adequadas para que as pessoas possam cumprir o necessário isolamento e distanciamento – tais como auxílio emergencial digno, acesso a políticas públicas, ações de apoio a trabalhadoras(es). A situação da pandemia agrava – e muito – a situação em que se encontra o país, atravessado por profundas desigualdades e uma crise social e econômica que precarizam ainda mais as vidas de pessoas negras, pobres e periféricas.
Neste contexto, verifica-se a exaustão das equipes de saúde e assistência social, em especial as(os) profissionais que atuam nos serviços de referência para casos de Covid-19, hospitais, equipamentos de saúde, e também nos serviços do SUAS, atendimento à população em situações mais agudas de vulnerabilidade. Desde o início da pandemia, essas equipes têm sido extremamente exigidas, profissional e emocionalmente. Há muitos espaços em que as equipes de Psicologia estão atuando sem o devido suporte de gestores e administradores, sendo recomendado por esse Conselho que esses espaços propiciem todos os equipamentos necessários para o atendimento em segurança, visto que a atuação da Psicologia na saúde pública tem sido fundamental nesse contexto de tamanho adoecimento. Agora, além da imensa sobrecarga de trabalho – muitas vezes ampliada pela falta de profissionais nos serviços – estão sendo premidas(os) a lidar com a escassez de recursos, como leitos e medicamentos, para promoção dos cuidados necessários à população, um verdadeiro cenário de colapso. E ainda, na maioria dos municípios, as pessoas que trabalham no SUAS não estão vacinadas, apesar de atuarem diretamente com a população mais vulnerável!
A saúde mental é colocada em evidência neste cenário. Reconhecemos os prejuízos que o isolamento, restrições e carências exacerbadas pela pandemia provocam. Por vezes, a preocupação com a saúde emocional é cooptada por um discurso de defesa da flexibilização de medidas de distanciamento. Porém, saúde mental não se refere a um fenômeno individual, e sim coletivo. Envolve o reconhecimento da gravidade do contexto, a capacidade de sentir e manifestar solidariedade. Nesse sentido, a sensação de desamparo, a insegurança quanto às medidas a serem tomadas, o medo pelo risco potencializado frente à falta de medidas coletivas de prevenção, as perdas constantes e as dificuldades para elaboração do luto, a falta de perspectivas de melhora é que se constituem como agravos à saúde mental, e que precisam ser enfrentados.
Desta forma, as medidas de restrição à circulação de pessoas são absolutamente necessárias. A flexibilização dessas medidas neste momento provocará o prolongamento do cenário pandêmico e representam um enorme risco à sociedade – tanto da perspectiva das contaminações e óbitos pela Covid-19, quanto no que se refere ao sofrimento psíquico decorrente dessas mortes. Ficar em casa é, para todos os que tem esta possibilidade, cuidar da saúde mental.
Ainda, é urgente a vacinação para toda população. Não se trata aqui de disputar prioridade em um cenário inadmissível de escassez dos imunizantes. Para que a vacinação tenha efeito de fato como medida de proteção à vida, é preciso que seja disponibilizada em massa, para todas as pessoas expostas ao risco da contaminação. É preciso, portanto, cobrar enfaticamente do poder público a celeridade na aquisição e distribuição de vacinas, como pauta prioritária – o que representa uma mudança drástica na condução das políticas de enfrentamento à pandemia até o momento.
Sendo assim, como sociedade em geral, Psicólogas(os) e o Conselho Regional de Psicologia podem contribuir para a promoção do cuidado, a preservação das vidas e da saúde?
Para a sociedade em geral
Mais do que nunca, é necessário tomar todo cuidado possível para evitar o contágio e uma sobrecarga ainda maior do sistema de saúde. É indispensável cumprir as medidas de proteção, higienização, distanciamento, uso de máscaras. O isolamento é necessário e todas as atividades não essenciais devem ser evitadas. Para que todas as pessoas possam cumprir as medidas restritivas, é preciso o engajamento em reivindicações por vacina para toda a população e auxílio emergencial digno. Existem diversos movimentos cobrando do poder público tais medidas, e o apoio popular é de suma importância para que estas pautas sejam atendidas.
Para Psicólogas(os)
Nós, Psicólogas(os), temos o compromisso ético com a reflexão crítica sobre a realidade, com a preservação da vida, a promoção da saúde e a defesa de condições dignas de reprodução da existência e das relações. Sendo assim, é inadmissível às(aos) Psicólogas(os) desdenhar da gravidade da situação, propagar questionamentos infundados quanto à seriedade da doença, ou defender medidas comprovadamente ineficazes contra a Covid-19 – como o uso de medicamentos rechaçados pelas Sociedade Brasileira de Infectologia e Associação Médica do Brasil. Deste modo, é de suma importância que adotemos postura proativa no combate a informações falsas, que colocam em risco toda a sociedade.
Para colaborar com a redução de contágios, e em especial com as(os) colegas que estão na linha de frente, é importante adotar o atendimento remoto sempre que possível, principalmente durante o período de medidas mais restritivas de contato e circulação, com autonomia técnica para decidir pelo atendimento presencial quando necessário para cada paciente, cliente ou usuária(o).
Seguimos contribuindo socialmente com a produção e distribuição de informações qualificadas sobre saúde mental e os cuidados que podemos tomar neste momento.
Atuação do CRP-PR
Desde o início da pandemia, o CRP-PR tem se empenhado na produção e rápida publicação de orientações sobre a atuação profissional em diversos contextos, notas técnicas, transmissões de lives, entre outros formatos. As principais produções estão reunidas no Especial Covid no site.
No que concerne às vacinas, o CRP reconhece a responsabilidade do poder público na definição de critérios, planejamento e execução dos planos de imunização. Sendo assim, temos reunido e divulgado informações sobre os cenários de diferentes municípios, solicitado elucidações dos órgãos responsáveis, e realizado atendimento imediato às Prefeituras que nos requisitam dados sobre profissionais – inclusive desenvolvendo cadastros onde necessário. Também realizamos reuniões e articulações sobre o tema com Fórum de Conselhos Regionais da Área da Saúde e Ministério Público do Paraná.
Ainda, temos aderido a diversos manifestos, movimentos de reivindicação de vacinas, de medidas de proteção à população. Agora, lançamos esse manifesto próprio, recolhendo adesões e encaminhando aos poderes legislativo, executivo e judiciário do Estado e municípios, reforçando a mobilização social para a priorização da vacina, aprofundamento e manutenção das medidas e condições para o cuidado com a vida em suas múltiplas dimensões.