Notícia

25 de julho – Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha

O dia 25 de julho é fundamental para a luta das mulheres negras, brasileiras e latino-americanas, pois é quando se comemora o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-americana e Caribenha, dando visibilidade à luta de mulheres que, em 1992, reuniram-se na República Dominicana para denunciar o sexismo e racismo sofrido por elas. O evento agregou mais de 300 participantes representando 32 países, e desde então a data é lembrada nas Américas e noutras partes do mundo. 

No Brasil, a data também celebra o Dia Nacional de Tereza de Benguela, que viveu no século XVIII e liderou a resistência dos povos negros contra o período escravocrata, sendo uma importante representatividade quilombola na luta das mulheres negras. 

O combate ao racismo e ao sexismo é tão central para a atuação do Conselho Federal de Psicologia (CFP), que em alusão às comemorações será realizada, nos dias 28 e 29 de julho, a Plenária Negra, intitulada Aquilombamento da Psicologia

Para ampliar a reflexão tanto sobre a data quanto acerca da importância desse evento, trazemos uma entrevista com a psicóloga Ivani Francisco de Oliveira (CRP-06/121139), vice-presidenta do CFP, mestra em Psicologia Social, docente das disciplinas Psicologia Social, Psicologia em Saúde, Famílias e Perspectivas Teóricas, e supervisora de estágios da Universidade Cidade de São Paulo.

Qual é o seu posicionamento a respeito da importância do dia 25 de julho, Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, para a Psicologia brasileira?

Para mim, essa data é de primordial importância, pois foram as mulheres negras que garantiram a sobrevivência da população negra quando suportaram e resistiram à escravização de africanas e africanos nas Américas e no Brasil. Especialmente quando o Estado Brasileiro criou políticas públicas de embranquecimento, durante o abolicionismo no século XIX, foram elas as protagonistas no nosso sustento e proteção. É preciso reconhecer, agradecer e reverenciar as mulheres negras, e reparar todo o mal que o racismo causou e causa em suas vidas, ao submetê-las a condições de violações de direitos e desrespeito. Eu sou representante dos sonhos e lutas dessas mulheres, e por elas busco reparação.

A psicologia, enquanto profissão no Brasil, completou 60 anos recentemente, e o seu histórico é bastante referenciado em teorias euro-estadunidenses. Diante disso, como você percebe os impactos dessa construção histórica para os povos brasileiros, e como o CFP vem abordando a questão? Como percebe, ainda, a importância de pesquisadoras, pensadoras e psicólogas negras nesse debate?

Percebo que os impactos da construção histórica da Psicologia, baseada em teorias euro-estadunidenses, fizeram com que a nossa profissão se mantivesse distante da realidade da população brasileira, gerando uma atuação conivente com a manutenção de status quo. Porém, isso se modifica com o surgimento do compromisso social da Psicologia; e o CFP contribuiu com essa mudança de várias formas, com destaque à criação do Centro de Referências Técnicas em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP), que promove a qualificação da atuação profissional de psicólogas(os/es) que atuam nas diversas políticas públicas. Felizmente, temos desenvolvido teorias que têm se aproximado dessa realidade, e as pesquisadoras e pensadoras negras têm contribuído muito para essa aproximação.

Quais mudanças você entende como necessárias à formação em Psicologia para que profissionais da categoria estejam mais comprometidas(os/es) com as questões étnico-raciais?

Entendo o momento da nossa formação profissional como um período especial de mudança e melhoria de quem nós somos, da nossa participação cidadã e, consequentemente, da nossa intelectualidade e humanidade. Se as entidades formadoras considerarem o que está estabelecido nas diretrizes da formação, nossos cursos teriam disciplinas que tratariam da compreensão da branquitude nas dinâmicas das relações raciais e dos impactos do racismo na constituição da vida em várias esferas. Assim, teríamos profissionais com “domínio de conhecimentos psicológicos e a habilidade de utilizá-los em diferentes contextos que demandam a análise, avaliação, prevenção e intervenção em processos psicológicos e psicossociais, e na promoção da qualidade de vida”.

Conte-nos um pouco sobre sua trajetória dentro do Sistema Conselhos de Psicologia e como isso potencializou a sua prática.

Minha trajetória dentro do Sistema Conselhos de Psicologia iniciou-se quando eu ainda estava na graduação. Eu participava dos eventos e me interessava por diversos temas que eram discutidos pelo meu Conselho Regional, e isso fez toda a diferença na minha vida profissional. Aprendi, desde quando era estudante, que a defesa dos direitos humanos é um compromisso ético da profissão, tanto que o meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) foi sobre internação compulsória: um problema social sobre o qual a Psicologia tem muito a dizer, no que diz respeito ao cuidado necessário a pessoas usuárias de drogas. E isso não era disciplina do curso, era tema de debate do Conselho.

Quando me formei, comecei a colaborar com o CRP SP nas Comissões de Orientação e Fiscalização e Gestora. Logo me envolvi com as implicações éticas no âmbito das relações raciais e passei a contribuir com o Grupo de Trabalho (GT) de Relações Étnico-raciais, do qual surgiu o Prêmio Jonathas Salathiel de Psicologia e Relações Raciais, uma premiação instituída pelo CRP SP em 2018.

Concomitantemente, fui desenvolvendo minha carreira acadêmica com o mestrado em Psicologia Social, a prática profissional como trabalhadora do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e com a defesa da Psicologia, como conselheira por duas gestões em São Paulo e, agora, no CFP. Hoje, tenho certeza de que a orientação da minha qualificação profissional foi dada pelos debates políticos que ocorriam no Sistema Conselhos, pois eles transformaram a minha vida acadêmica e o meu exercício profissional.

Parte da Psicologia vem pensando e agindo concretamente para a descolonização do pensamento sobre a própria Psicologia. O que você entende como importante para esse processo de pensar uma Psicologia Preta? Que referências você pode trazer para o saber-fazer dessa outra Psicologia?

Essa pergunta é muito interessante por dois motivos. O primeiro deles é que sou uma pesquisadora em Psicologia Social, e meu tema de pesquisa é exatamente um processo psicológico que nomeei como descolonização estética e subjetiva. Por meio dele, as pessoas negras retiram o racismo imposto a sua identidade e à autoimagem – como seu tom de pele, formato de nariz e textura de cabelo -, reconhecem-se dotadas de beleza ancestral e mudam a subjetividade que sustenta a sua forma de ser, estar e se relacionar no mundo. Dessa maneira, descolonizar o pensamento sobre a própria Psicologia, enquanto ciência e profissão, é equivalente a reconhecer a importância da intelectualidade e filosofia advindas da África na composição da realidade brasileira e, logo, na compreensão dessa realidade. 

O segundo motivo que deixa a pergunta interessante é que eu defendo uma Psicologia das relações raciais, embora não se destaque um intelectual que tenha criado essa abordagem, tal qual fez o doutor e professor Wade Nobles, quando criou e desenvolveu a abordagem da Psicologia Preta, nos Estados Unidos da América. Bem, eu acredito numa Psicologia que se faça compreendendo todas as dimensões do racismo, reconhecendo todos os pertencimentos e identidades raciais. Precisamos usar o nosso conhecimento psicológico para atender e acolher as pessoas, mas precisamos, também, entender as características e dinâmicas psíquicas da branquitude para que possamos eliminar o racismo na nossa sociedade.

Minhas indicações de leitura são  as Referências Técnicas para a Prática da(o) Psicóloga(o) sobre as Relações Raciais, do CFP, e o livro da psicóloga e doutora em Psicologia Cida Bento, O pacto da branquitude, lançando em 2022.

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