Os direitos das pessoas LGBTQ+s são conquistas resultantes de lutas e movimentos sociais. Porém, infelizmente, a LGBTfobia presente na cultura brasileira, acaba por perpetuar constantemente a segregação, isolamento e abandono desses indivíduos em diversas dimensões de suas vidas. Práticas culturais como a falta de disposição em valorizar diferentes vivências de gênero, falta de discussão sobre diversidade e pluralidade na escola, a disseminação de padrões cis-heteronormativos e a falta de leis que garantam segurança para esta população, entre outras, são fatores que contribuem para a estigmatização, isolamento e vulnerabilidade. São processos que atingem não apenas LGBTQ+s de todas as faixas etárias, mas também suas famílias e comunidades.
Neste contexto, os direitos dessa comunidade também estão em constante risco e existem diversas frentes sociais e políticas que pretendem acabar com as conquistas já alcançadas. Por isso, neste dia 17 de maio, lembrado como o Dia Internacional Contra a LGBTIfobia, frisa-se que é imprescindível não somente o reconhecimento da população LGBTQ+, dos seus direitos e das suas vulnerabilidades, mas também da necessidade de constantes lutas que envolvem as suas pautas.
Conquistas
O primeiro grande marco dos direitos LGBTTIQ+s foi a despatologização da homossexualidade reconhecido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 17 de maio de 1990, na qual, do ponto de vista médico, as práticas homossexuais passam a ser consideradas tão naturais quanto as práticas heterossexuais. A partir desse posicionamento e com objetivo de orientar as(os) profissionais da Psicologia, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) lança a Resolução CFP 01/1999 que estabelece as normas de atuação das(os) psicólogas(os) em relação à orientação sexual, um grande passo para erradicação de práticas psicoterápicas que promoviam a suposta “cura gay”. A normativa deixa evidente que o papel da Psicologia é de promover reflexões e práticas visando uma sociedade mais inclusiva e menos preconceituosa em relação à sexualidade, pautadas em princípios éticos, científicos e críticos. Mesmo com toda a evidência científica que a embasa, a Resolução CFP 01/1999 tem sido constantemente atacada, o que fortalece a necessidade de sua constante reafirmação e de sua importância para a população LGBTQ+ .
Em 2011, outro avanço importante. Passou a ser reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a união estável entre pessoas do mesmo gênero como entidade familiar e, em 2013, é determinado que todos os cartórios brasileiros passassem a registrar o casamento civil de pessoas do mesmo gênero. Em 2016, o Conselho Nacional de Justiça, também normatizou o registro de filhas(os) nascidos por técnicas de reprodução assistida de casais tanto hétero quanto homossexuais. Ressalta-se a importância também do uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais, pois estes representam como cada pessoa se identifica e são reconhecidas socialmente. Assim, em 2016, o Decreto Presidencial 8.727/2016 dispõe sobre uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero no âmbito da administração pública federal.
Outra grande conquista veio junto com a nova versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) realizada a partir do ano de 2018, a CID-11 retirou a transexualidade do rol de transtornos mentais e a realocou como “condições relacionadas à saúde sexual”, classificando agora a transexualidade como incongruência de gênero. Mesmo essa ação tendo como objetivo a diminuição dos estigmas sociais sofridos pelas mulheres travestis, transexuais e homens trans ela não contempla as reivindicações dos movimentos que propuseram que a transexualidade fosse realocada na CID-11 como uma condição inerente a promoção do bem-estar e saúde e não em uma categoria que a deixou como uma patologia “mais branda”. A CID- 11 também passou a perceber as identidades de gênero como um espectro, ou seja, o gênero deixa de ser considerado como binário (feminino – masculino) e passa a ser considerado a partir de uma variabilidade de possibilidades de ser vivido.
Atuação profissional
Mesmo com essas conquistas, a população LGBTQ+ está cotidianamente sujeita a muitas violências. Diante disso, a Psicologia tem um papel extremamente importante, por meio de um compromisso ético e político com a dignidade humana, não perpetuando tais violências e possibilitando que os sofrimentos decorrentes desta sejam ressignificados, além de lutar ativamente contra a perpetuação destas violências.
No que se refere a prática profissional das(os) Psicólogas(os), além da Resolução CFP 01/1999, a Resolução CFP 01/2018 determina que as(os) profissionais deverão atuar visando contribuir para eliminação da transfobia, não sendo coniventes ou se omitindo em relação a práticas discriminatórias. Também é vedado práticas voltadas para uma visão patologizante de pessoas travestis e transexuais.
Neste mesmo sentido, acrescenta-se a Nota Técnica 02/2018, elaborada pelo CRP-PR, que orienta a atuação das(os) Psicólogas(os) referente ao atendimento de pessoas transexuais e travestis, promovendo o acolhimento, acompanhamento, a autonomia e a despatologização, ou seja, a atuação da(o) profissional de Psicologia não deve se orientar por um modelo patologizante ou corretivo da transexualidade e travestilidade, e sim para promover qualidade de vida e a garantia de direitos da pessoa.
Outro ponto a ser ressaltado, diz respeito ao processo transexualizador que é regulamentado pela Portaria do Ministério da Saúde 2.803/2013. O documento afirma que o acompanhamento psicológico não deve ter como objetivo avaliar a travestilidade e transexualidade, mas sim respeitar a autonomia da pessoa sobre sua identidade de gênero e promover o acolhimento e acompanhamento das demandas trazidas.
Ainda visando a promoção e reconhecimento dos direitos da população LGBTQ+, no ano de 2019, o CRP-PR emitiu a Nota Técnica 01/2019 que orienta as(os) profissionais da categoria sobre como promover um atendimento ético e acolhedor as pessoas lésbicas, bissexuais, gays e demais orientações sexuais. O documento orienta a compreensão de que essas sexualidades não devem ser consideradas como psicopatologias e que qualquer outra condição mental apresentada por essas populações durante o atendimento seja considerada a partir das opressões sociais que essas pessoas sofrem todos os dias.
Muitas vezes essa perpetuação da violência acarreta danos subjetivos e até mesmo materiais, difíceis de contornar. Muitas dessas práticas poder não ser percebidas até mesmo pelas(os) profissionais como violentas. Entre elas podemos citar: buscar detectar as “causas” ou “origens” da homossexualidade, bissexualidade ou transexualidade de clientes, outras vezes buscando relacionar a homossexualidade com outros comportamentos, como o uso de drogas ou ter múltiplas(os) parceiras(os). Além do uso incorreto de pronomes com pessoas trans ou não-binárias, quando a(o) Psicóloga(o) supõe que deve utilizar masculinos, femininos ou neutros pelo fenótipo da pessoa, ao invés de perguntar.
É importante ressaltar também que cabe à(ao) Psicóloga(o) estar ainda mais sensível às demandas dessa população neste período de pandemia que estamos vivendo. (Leia aqui reportagem sobre o tema). E em todas as épocas, é preciso que a categoria esteja consciente que cada Psicóloga e Psicólogo carrega consigo, conforme é estabelecido no Código de Ética Profissional, a responsabilidade de promover liberdade, dignidade, igualdade e de contribuir para a eliminação de quaisquer formas de negligência e discriminação.
Para saber mais:
Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs – O livro “Tentativas de Aniquilamento de Subjetividades LGBTIs”, organizado pelo Conselho Federal de Psicologia, por meio de sua Comissão de Direitos Humanos, apresenta um mosaico de histórias de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e intersexuais (LGBTIs) que retratam os intensos sofrimentos ético-políticos e os processos de resistência decorrentes de diversas formas de violências, preconceitos, injustiças e exclusão.
Atenção à população LGBTIQ+ no contexto da pandemia – Reportagem publicada no Especial Covid-19 do CRP-PR que apresenta informações sobre a prestação de serviços à população LGBTIQ+ no contexto da pandemia
- Nota Técnica CRP-PR 02/2018 – Orienta as(os) profissionais de Psicologia no atendimento às pessoas transexuais e travestis, promovendo o acolhimento, o acompanhamento, a autonomia e a despatologização, em atenção à Resolução CFP nº 001/2018.
- Nota Técnica CRP-PR 001/2019 – Orienta as(os) profissionais de Psicologia no atendimento às pessoas Lésbicas, Bissexuais, Gays e demais orientações sexuais (LGB+), promovendo o acolhimento, o acompanhamento, a autonomia e a despatologização.
- Especial Covid-19